SINTOMAS, INDIVIDUAIS E COLETIVOS, CRISE E DEPRESSÃO NA ERA DO PLÁSTICO

11 de abril de 2018

A persona coletiva da nossa atual sociedade de consumo nos força na permanência do automatismo alienante do si mesmo. Tendemos a ficar paralisados diante do chamado da individuação, numa atitude meramente adaptativa à normalidade patológica contemporânea, mantendo o ego aprisionado na jornada do herói poderoso, destemido e conquistador de muitos tipos de posses.

O ego, identificado com a imagem arquetípica do herói, que é patológica apesar de ser muito estimulada na nossa atual sociedade de consumo, busca sentimentos de unificação totalitarista para afugentar a angústia e o mal-estar do vazio e da falta de sentido existencial. Assim, o ego heróico, iludido nas certezas reducionistas, polarizadas e unilaterais, e na contínua busca de controle, posse e segurança, acaba fixado nas justificativas do certo, muitas vezes respaldado pela ciência, valorizando apenas o imediato e a realidade física.

Além disso, como a medicina atual é baseada apenas nas evidencias concretas da bioquímica e da genética, e deixa de lado à alma e toda a subjetividade humana, ela acaba, quando muito, aliviando os sintomas dessa situação neurótica da alienação do si mesmo, mas não atua diretamente na doença. A resultante dessa atitude heróica, tanto da ciência reducionista quando do capitalismo da exclusão, é a nossa atual sociedade polifóbica, que tem muita dificuldade para estabelecer relações de troca, porque acabou desembocando na plastificação1 das coisas e dos homens.

A atual plastificação, de tudo e de todos, gerou esse atual simulacro global de impermeabilidade e, conseqüente incapacidade de troca, mantendo a maioria dos indivíduos formatados e condicionados na ilusão fantasiosa, mágica e regredida, de conquistarem autonomia, autodeterminação, independência, liberdade, sucesso, riqueza, poder e felicidade. Essa é a persona do selfmademan, do super-homem poderoso e indestrutível, apesar de infeliz por não conseguir estabelecer relações amorosas verdadeiras. Como deus Apolo: perfeito, belo, indestrutível, solitário e infeliz por não saber trocar.

Com isso, estimula-se a negação da essência humana, com toda sua tensão natural da assimetria, do diverso, da impermanência e do indeterminado, que é repleta de polaridades e, simultaneamente, complexa, criativa, bela, patética, prazerosa, dolorosa, triste, alegre, justa ou injusta. E que só irá adquirir sentido e significado quando conseguir prestar o serviço de servir o Ser – doando cuidados para todos os seres sencientes, começando por nós mesmos (na dinâmica do amar ao próximo como a si mesmo). Mas, para isso, a energia psíquica deve estar fluida e diluída de forma integral em todas as direções e segmentos humanos, do mais físico e denso ao mais espiritual e sutil, na direção consciente da teleologia do processo de individuação. Sendo necessária, para isso, uma atitude consciente, simultaneamente egocêntrica e altruísta, advinda do autoconhecimento, da auto-estima, do amor próprio e da fé.

Para Jung, o constante confronto entre a natureza e o espírito é que vai promover e contribuir para o crescimento, a auto-regulação e o equilíbrio psíquico. Sendo que, quando um indivíduo fica paralisado diante de um problema, ele está dando existência literal para sua dificuldade, fixando sua mente na queixa e interditando as soluções criativas que podem surgir. Quando olhamos o problema de maneira permeável, podemos reconhecer que não existe nada absoluto e que uma determinada situação adversa só se converte em problema insolúvel quando não conseguimos integrá-la em nossa vida. Ou seja, quando deixamos de ser impermeáveis poderemos deixar nossos problemas permeáveis, atravessando-os e libertando os conteúdos simbólicos que estão secretos em suas secreções dolorosas ou tristes, possibilitando uma nova configuração energética, possivelmente mais prazerosa e alegre.

Mas, infelizmente, a maioria das pessoas, por terem o ego identificado com a persona do herói, negam o processo de individuação, permanecendo impermeáveis e paralisadas diante dos problemas ou crises, que deveriam ser transformados em oportunidades para o crescimento evolutivo do Ser. Deste modo, acabam, equivocadamente, atuando diante da dificuldade, agora concretizada e fixa, nessas quatro maneiras: atacando, fugindo, submetendo-se ou negando o problema. Com isso, transformam o problema em símbolo patológico, muitas vezes na forma de sintomas de adoecimento. É interessante percebermos que para cada forma heróica e equivocada de atitude diante do problema existe a possibilidade de um sintoma específico. Ou seja, para quem quer, no seu íntimo, atacar, enfrentar ou destruir o problema surge a suscetibilidade do aparecimento de hipertrofias. Assim como, o desejo de fugir predispõe o indivíduo às disfunções, o de se submeter às inflamações e o de negar às escleroses.

Esses quatro tipos de sintomas englobam todas as possibilidades de expressões de adoecimento, que podem surgir isoladas ou conjugadas, como a maioria dos cânceres que, inicialmente, denuncia uma disfunção (desejo de fuga), devido a falhas do sistema imunológico, e depois hipertrofias (desejo de atacar), muitas vezes mobilizando o indivíduo a viver exclusivamente para enfrentar o próprio câncer que, nesta situação, passou a ser mais um problema concreto e fixo para o ego heróico. A maior dificuldade do ego heróico é entender que atacar, fugir, submeter-se ou negar e ficar paralisado são atitudes ou intenções íntimas ou inconscientes que não produzem transformação criativa e transcendência diante do problema. Porque, como já citei anteriormente, o ego precisa diferenciar-se do problema, para depois, seqüencialmente: fazer a separação, superação e posterior integração, para transcendê-lo. Esse é o caminho da espiral evolutiva do processo de individuação, que possibilita que a energia psíquica flua diluída e distribuída em todas as seis direções e seis demandas da vida.

É interessante notarmos que o plástico, de um lado, devido sua não biodegradabilidade, nos dá a sensação de durabilidade, mas por outro lado, devido sua impermeabilidade, que lhe impede interagir e formar vínculo, nos remete a descartabilidade. Ou seja, nosso ego identificado com a persona do herói, está cada vez mais plastificado, simultaneamente, e paradoxalmente, permanente e descartável, acumulando egoisticamente e incapaz de estabelecer vínculos. Essa plastificação humana, que lhe deixa mais durável e impermeável, impede o preenchimento do vazio existencial advindo da angústia existencial.

* WALDEMAR MAGALDI FILHO (www.waldemarmagaldi.com). Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: “Dinheiro, Saúde e Sagrado”, coordenador dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Psicossomática, DAC – Dependências, abusos e compulsões, Arteterapia e Expressões Criativas e Formação Transdisciplinar em Educação e Saúde Espiritual do IJEP –  wmagaldi@gmail.com


1Nosso planeta está intoxicado, viciado e dependente do carbono. Estamos desenterrando nossa ancestralidade com a extração excessiva e inconseqüente de gases e petróleo derivados dos nossos fósseis, favorecendo o consumo excessivo do inútil, do descartável e do desnecessário. Com isso, estamos contaminando e envenenando tudo e todos.

É uma ilusão e um tremendo auto-engano acreditarmos que extraímos os derivados do carbono para produzir energia. Pois, a meu ver, nosso atual conhecimento científico e tecnológico já é capaz de encontrar e direcionar, em escala, e a nível global, energias advindas de fontes renováveis e não poluentes como a hidráulica, solar, eólica, dos bicombustíveis, entre outras. Mas, estamos totalmente dependentes dos derivados de petróleo, nosso maior vilão oculto, que podem assumir várias formas e apresentações, estando presentes nos defensivos agrícolas, fertilizantes, rações animais, cosméticos, tecidos, construção civil, indústria automobilística, eletroeletrônica e praticamente todas as coisas do nosso dia a dia, incluindo as próteses, obturações, asfalto, vedantes dos refrigerantes, embalagens, objetos de decoração, brinquedos, tintas, plásticos, borrachas, óleos, combustíveis, solventes, e infinidades de aplicações que tornariam essa relação muito extensa.

O interessante é que os plásticos, que são polímeros sintéticos derivados do petróleo (poliéster, polipropileno, polietileno, poliamida, silicone, lycra, ABS, PET, PVC, acrílico, fórmica, viscose, nylon, etc.) podem assumir formas, texturas, cores, translucidez, opacidade, dureza, flexibilidade, resistência ou maleabilidade, como a persona, mas todos possuem uma característica comum que é a impermeabilidade e, conseqüente, não biodegradabilidade. Com isso, estamos sofrendo a crise do impermeável, deixando o planeta impermeável, tanto no solo quanto na atmosfera, produzindo erosões, enchentes e aquecimento global. Além de estarmos também ficando impermeáveis e incapacitados de trocar, negando todo o ciclo da dádiva que implica em dar, receber e retribuir numa espiral evolutiva ascendente.

Nossa sociedade impermeável vive sob a égide do descartável, onde tudo tem que ser novo e rapidamente substituído, incluindo as relações humanas e o sistema Gaia, que é a nossa morada planetária. Por isso, devido a nossa dependência do plástico, apesar de podermos usar fontes de energia renováveis e auto-sustentáveis, não podemos deixar de extrair petróleo e parar de incomodar nossos fósseis ancestrais com o intuito de diminuir a impermeabilidade do planeta e da vida. Porque não existem interesses do mercado econômico, regido pelas grandes corporações, em mudar seus parques industriais, abandonando o uso do plástico na cadeia econômica da produção, que deve representar mais de 50% de tudo que é manufaturado.


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