PSICOSSOMÁTICA ANALÍTICA E RELAÇÕES CONJUGAIS 11 de abril de 2018 O ser humano é único, complexo e criativo. A vida de cada indivíduo nada mais é que a resultante do que ele ofereceu e está oferecendo para o mundo, e seu entorno relacional! Ou seja, tudo o que cada um de nós está vivenciando é reflexo de algo que fizemos (parece óbvio não?), e se uma determinada experiência desagradável torna-se recorrente ou crônica, significa que seguimos repetindo atitudes, pensamentos, sentimentos e intuições com o mesmo padrão emocional gerador dos sofrimentos indesejáveis. Isso é sinal de que algum “complexo” está dominando, e como os complexos tomam o ego de assalto, torna-se muito difícil encará-los para superá-los. De qualquer modo a dor é inevitável, mas o sofrimento é optativo… No entanto, para que um indivíduo deixe de sofrer ele dependerá de mudanças nos seus padrões emocionais inadequados! E para que essas mudanças (muitas vezes chamadas pelos religiosos de conversão) aconteçam, é necessária muita determinação e força de vontade para que seja processado e vivenciado o enfrentamento dos conteúdos sombrios, geralmente projetados naquelas pessoas que nos incomodam, por produzirem intensas emoções que podem despertar sentimentos de fascinação e atração ou de repulsas e ódio. Por isso que os complexos tem caráter numinoso, por despertarem sentimentos polarizados e ambivalentes iguais aos das experiências com o sagrado, que são simultaneamente tremendas e fascinantes. Além disso, nosso cérebro funciona como uma espécie de máquina eletrocoloidal que reage, quase que exclusivamente, em função dos padrões neurais advindos dos circuitos de gratificação e recompensa, e seus conseqüentes sentimentos de aceitação e pertencimento, negando as experiências do circuito de punição e perda e os consequentes sentimentos de abandono e exclusão. Esses circuitos, por sua vez, ativam os sistemas simpáticos ou parassimpáticos, correspondentes às bioquímicas adrenérgicas ou acetilcolinérgicas, responsáveis pela experiência de tensão ou relaxamento, produzindo influencias significativas no nosso sistema imunológico. Ou seja, nosso cérebro, assim como toda a natureza, visa lucro, induzindo-nos a confundir a felicidade, que é uma conquista consciente e perene, com prazer e alegria que são experiências momentâneas, efêmeras e, na maioria das vezes, inconseqüentes. Mesmo assim, não devemos questionar, negar ou abrir mão do lucro, pois tudo que existe, inclusive a dimensão sagrada, gira em torno dele. Na realidade, não é o lucro o vilão social que gera tanta exclusão e iniqüidade, pois quando o lucro acontece de forma livre e desapegada produz crescimento de todos, mas quando vem associado à baixa autoestima, geradora de medo e desejo de poder e acúmulo, ele deixa de ser um instrumento evolutivo e passa a ser um elemento destrutivo. Então, devemos estimular, cada vez mais, o lucro desapegado do acúmulo, para que o fluxo da virtuosidade possa voltar a acontecer. Neste sentido devemos ter cuidado com relações onde apenas um lucra ou quando acontecem situações de acúmulo, que são geradoras de exclusão. Esse preâmbulo, obviamente, nos remete a determinadas reflexões e questionamentos que gravitam em torno das temáticas do castigo, da culpa e da predestinação. Devemos compreender que quando um indivíduo nasce ele está totalmente submerso no ambiente psíquico da sua genitora (mãe biológica), seguido do ambiente psíquico parental (cuidadores que exercem a maternagem) e familiar, e depois do social e cultural. Com isso, durante a gestação e os primeiro dois anos de vida, temáticas arquetípicas são herdadas e transmitidas, e como a criança ainda não tem o ego estruturado e, por isso mesmo é pré-verbal, todos esses inputs afetam o psiquismo da criança provocando uma infinidade de emoções, que não são nomeadas, presentificadas ou dirigidas a objetos reais. Então, a resultante desses afetos, associada às características genéticas e, conseqüentemente fenotípicas, é que estarão na raiz da estruturação do ego, que é uma espécie de administrador da consciência. Por isso, quanto menos uma pessoa se conhecer, no sentido de usar sua consciência egóica para vasculhar seu mundo interno, sua sombra, seus complexos, seus sonhos e até os seus sintomas, mais ela estará agindo de forma reativa e inconsciente. Muitas vezes tentando reparar a vida não vivida ou mal vivida dos seus pais, ou lidando com as influencias dos afetos, com carga emocional desagradável, que aconteceram durante o desenvolvimento da sua personalidade. Também sabemos que no íntimo de cada ser humano existe o inconsciente coletivo. E é nessa instancia da psique que se encontra, objetivamente, toda a potencialidade arquetípica para a superação de qualquer adversidade, consciente ou inconsciente, psíquica ou biológica, interior ou exterior. Basta adquirimos o autoconhecimento para podermos exercer o livre arbítrio e empreender as mudanças necessárias para modificarmos o que está nos deixando infeliz. Isso equivale ao “dar a outra face”, proposto por Jesus, no sentido de oferecer ao mundo o outro lado de nós mesmos para, com essa transformação, passarmos a receber do mundo o que não estávamos recebendo. Nesse sentido podemos afirmar que ninguém pode dar o que não tem, mas também não irá receber pelo que não deu! Por isso, para um indivíduo deixar de ser reativo e passar a ser mais proativo, voltando-se para seus projetos e sentido existencial, ao invés de ficar preso nas temáticas recorrentes, projetando sua sombra no mundo, ele irá depender de muito esforço consciente em busca da sua integridade, por meio do reconhecimento da sua sombra, seus erros e defeitos. Só nesse momento é que o processo de cura começará a acontecer, pois cura é sinônimo de consistência e integridade e não de perfeição e pureza. Esse é o início do caminho do sábio, iluminado, santo ou individuado, por já ter compreendido, por meio de uma jornada heróica consigo mesmo, que a meta existencial de todo ser humano é servir ao Self, equivalente a centelha divina que está imanente na nossa essência, apontando para o estado de serenidade, mesmo diante das mazelas e adversidades existenciais, e para o servir amoroso e alegre, que são o rizoma da felicidade. Nesta jornada todo indivíduo necessita do outro para poder ser e, como esse outro, na maioria das vezes, reflete a nossa polaridade inconsciente, o casamento heterossexual tanto pode ser um excelente meio para facilitar e acelerar o caminho do autoconhecimento, como pode contribuir no sentido inverso, devido a influencia da imago parental presente em cada parceiro. Nesse sentido, para um casamento ser saudável e produzir filhos menos neuróticos, é necessário que cada cônjuge, aquele que irá conjugar com o outro as ações da vida, tenha tido a oportunidade de se diferenciar e se separar das influencias inconscientes que foram herdadas ou registradas. Só assim um homem poderá realizar-se, atendendo às demandas do feminino, sendo simultaneamente: Herói, Pai, Filho e Sábio. Assim como uma mulher ao ser, também simultaneamente: Eva, Helena, Maria e Sophia. Onde ambos possam evoluir e realizarem-se, numa contínua relação de admiração mútua! Porque ninguém tem a capacidade de transformar ninguém, mas ninguém consegue transformar-se sozinho, porque sem trocas não pode existir vida evolutiva (essa é a teoria da dádiva, pautada no trinômio circular do dar, receber e retribuir). Por isso, para que um casamento seja bem sucedido, no sentido de possibilitar crescimento evolutivo global de cada parceiro, com o compromisso da realização física, sexual, material, familiar, profissional, social e espiritual de ambos, é necessário muito mais do que a paixão do encontro e da aliança, pois o convívio da conjugalidade, quando não está firmado por meio de um compromisso consciente, social, ritualístico e sagrado, devido à imaturidade ou incapacidade dos parceiros em fazerem as devidas separações de suas famílias e respectivas imagos parentais, acaba desembocando em separações, traições e conflitos. Infelizmente, neste momento, muitos casais já estão com filhos, que podem contribuir ainda mais para que as projeções ou possessões das influências parentais aconteçam, produzindo mais danos psíquicos a todos os envolvidos, inclusive aos elementos externos das triangulações das relações extraconjugais, além do risco do abandono ou do superapego aos filhos, ao patrimônio ou ao status social. Por isso para os jovens casais que estão com filhos pequenos é muito importante o total compromisso conjugal e maternal de ambos. Porque nos primeiros dois anos de vida a criança está muito fusionada com a mãe. E o pai, por sua vez, se não tiver consciente desta união psíquica e espiritual da mãe com o bebe e não tiver seus conteúdos sombrios, incluindo suas referencias parentais, minimamente resolvidas, ele terá seus circuitos de punição, perda, exclusão e abandono muito ativados e tenderá, compensatoriamente, buscar reparações externas, dedicando-se mais para as atividades profissionais, justificado pelas demandas econômicas em decorrência da prole, ou irá buscar mulheres mais disponíveis para ativar seu circuito de gratificação, recompensa, acolhimento e inclusão. Após o período da fusão da mãe com seu filho, naturalmente surgirá uma crise para que todos os envolvidos possam voltar investir suas energias no sentido de suas realizações existenciais. Nesse momento é comum aparecerem mães identificadas com a imagem arquetípica da deusa Demeter, vampirizando suas crias pela falta de sentido e significado em suas próprias vidas, transformando seus filhos em objetos de reparação da sua insegurança. Outra ocorrência comum é os pais transformarem seus filhos em troféus de disputa, gerando a famigerada síndrome da alienação parental – que é prejudicial a todos. Essa situação aparece principalmente quando o casal separou-se no período da fusão mãe bebe, por conta da imaturidade de ambos, como uma forma de compensação ou reparação dos sentimentos de mágoas, culpas, desejos de vingança, poder, inferioridade, abandono, traição, entre outros. Quando acontecem disfunções na capacidade de diferenciação e posterior separação das identificações entre filhos e pais, que é mais freqüente do que imaginamos, surgem inúmeros transtornos, mas o que prevalece é a imaturidade. Todo indivíduo imaturo, por sua vez, acaba transferindo ao mundo exterior a responsabilidade pelas ocorrências dolorosas ou tristes que venham acontecer em suas vidas. Valendo-se continuamente do argumento de que a culpa é do outro! Tornam-se pessoas controladoras por temerem perder seus mecanismos adaptativos, ora vitimando-se, ora usando de chantagens, cobranças, ilusão de controle consigo mesmas e aos demais, apesar dependerem continuamente da aprovação dos outros, de objetos ou títulos que conferem poder e status para aliviar suas angústias e baixa autoestima. Essas são as razões que nos levam a compreender que a vida é um contínuo desafio que exige constantes movimentos de diferenciação, separação, superação e integração. Numa espiral evolutiva onde o servir é a verdadeira chave para o ser poder ser! * WALDEMAR MAGALDI FILHO (www.waldemarmagaldi.com). Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: “Dinheiro, Saúde e Sagrado”, coordenador dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Psicossomática, DAC – Dependências, abusos e compulsões, Arteterapia e Expressões Criativas e Formação Transdisciplinar em Educação e Saúde Espiritual do IJEP em parceria com a FACIS. wmagaldi@gmail.com