PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE O LIVRO: “DINHEIRO, SAÚDE E SAGRADO”

11 de abril de 2018

1 – O senhor diz que as pessoas compram o que não precisam, com dinheiro que não possuem para impressionar quem não conhecem. O que as leva a fazer isso? O que sugere que façam para mudar esse tipo de atitude?

Magaldi – Creio que as razões para essa situação são o medo e a falta de sentido existencial. As mudanças de atitude, a meu ver, dependem apenas do autoconhecimento. Só ele poderá nos dar a capacidade de sermos menos impulsivos para podermos refletir sobre o porquê e o para que de cada ato existencial. Só assim deixaremos de consumir o desnecessário, o descartável e o luxo, para nos sentirmos pertencentes às estruturas sociais.

2 – Qual a relação entre dinheiro, saúde e sagrado? Como conciliar esses três itens, aparentemente tão distintos?

Magaldi – Dinheiro, saúde e sagrado se interpenetram. Geralmente a falta de um acaba produzindo a perda ou o aumento dos outros. Em muitas situações notamos que a falta de saúde produz perda de dinheiro e aumento de sagrado. Em outras a falta do sagrado produz aumento do dinheiro e a perda da saúde. Ou, na maioria das vezes, a falta do dinheiro produz o aumento do sagrado e a perda da saúde. Obviamente isso não é uma regra, e esses movimentos acontecem de forma dinâmica e natural, sempre integrando as demandas humanas do bem, do belo e do verdadeiro, presentes nas religiões, nas artes e nas ciências, respectivamente. E, a melhor forma de conciliar essas demandas é por meio do uso consciente do dinheiro. Ou seja, transformar o dinheiro em um elemento facilitador tanto para o sagrado, e toda sua estrutura ética e moral, quanto para a saúde, não só do indivíduo, mas da sociedade e do meio ambiente.

3 – No início do livro “Dinheiro, Saúde e Sagrado” o senhor comenta que durante suas pesquisas percebeu que as pessoas superestimam o papel do dinheiro em suas vidas. Há algum meio de mudar a atual visão existente sobre o dinheiro?

Magaldi – Qualquer análise histórica e antropológica deixa evidente a capacidade adaptativa, criativa e transformadora da espécie humana, principalmente nas situações de crise onde a superação acaba produzindo evolução. Não por acaso que o ideograma chinês que representa a crise também represente a oportunidade. Esta capacidade, por um lado, possibilitou nossa realidade científica e tecnológica, inimaginável a menos de cinqüenta anos atrás, e acabou contribuindo para a monetarização da vida, da saúde e da dádiva. Por outro lado, está nos levando para uma nova crise com repercussão ecológica, social, cultural, física, psíquica e espiritual, manifestada na forma de sintomas ambientais, comportamentais, relacionais, psicossomáticos, psiquiátricos e religiosos. Por isso tantas catástrofes, fanatismos, dependências, abusos, compulsões, com consumo exagerado de remédios, divórcios, solidão, desigualdades, exclusão, entre outras patologias.

Como o dinheiro é apenas uma energia que pode ser direcionada para qualquer foco, facilmente poderá ser usado para reverter essa situação crítica e alarmante que está se afigurando para o nosso futuro. Porém, para que isso aconteça, é necessário que uma quantidade significativa de pessoas passe por uma mudança de paradigmas, libertando-se das duas rodas viciosas e assimétricas que mantêm a engrenagem do atual capitalismo utilitarista em movimento. A roda maior, que é representada pela maioria das pessoas, movimenta-se num contínuo circular entre consumo, dívidas e trabalho, enredando e, conseqüentemente, alienando os indivíduos nesta rotina repetitiva. A roda menor, por sua vez, é representada por um pequeno número de pessoas, que vem diminuindo gradativamente, igualmente aprisionando-as no continuum circular entre poder, lucro e acúmulo. Sendo que, no eixo central desta engrenagem está a tentativa iludida da negação do medo e da angústia, temáticas inerentes e imanentes em todos os seres humanos, associadas ao desejo de se sentir pertencente e engajado em algum grupo social.

Por causa da angústia somos invadidos pelos temores da solidão, do receio da morte, do medo da liberdade e da falta de sentido existencial. Para quem ainda não conquistou o autoconhecimento, esses medos produzem reações defensivas caracterizadas pela contínua “obrigação” de se sentir pertencente, necessário, importante, produtivo, rico, saudável, acumulando posses e muitos deleites. Essas “obrigações”, por sua vez, são responsáveis por uma infinita quantidade de dependências, abusos e compulsões. Entre elas os desejos de poder, de acúmulo, de consumo, associados à busca de prazer imediato, que acabam dando um alívio transitório à angústia, apesar de alienar e manter as pessoas mais aprisionadas às rodas viciosas.

Todo indivíduo que conseguir sair das rodas, além de transgredir o sistema, poderá repensar o sentido e o significado da sua existência, enfrentando o medo, aliviando sua angústia existencial, diminuindo seu consumo, reaproveitando e reciclando tudo o que for possível. Atividades absolutamente necessárias para que o futuro da humanidade seja viável, apesar de deixar todas as atuais estruturas capitalistas absolutamente assustadas, pois todo planejamento delas está calcado na utopia do crescimento continuado e infinito. De qualquer modo, com ou sem sofrimento, acredito que a civilização irá encontrar um novo modelo que redistribuirá a riqueza de forma igual e includente, restaurando tanto a cura quanto sacralização e o encantamento do mundo. Ressaltando que cura é sinônimo de integridade e de consistência, ou seja, entusiasmo, sentido e significado existencial.

4 – O que é o sagrado de que o senhor fala?

Magaldi – Entendo que o ser humano é a resultante de um processo evolutivo que engloba o corpo, a alma, o espírito e a consciência – para os gregos: soma, psique, pneuma e nous, respectivamente. O corpo, por ser um composto mineral, é finito e passível de decomposição, equivale ao hardware do computador. A alma, ou psique, representa a totalidade das temáticas emocionais, influenciando na formação do caráter e no modo em que o indivíduo vai processar os vários tipos de afetos, ou estímulos existenciais, equivalendo ao software do computador. O espírito é a energia vital que mantém corpo e alma unidos, é um fragmento da expressão sagrada do uno presente em todas as formas existentes, equivalente a energia elétrica que mantém o computador ligado. E a consciência, por sua vez, é o que nos dá o sentimento de presença no presente, é a capacidade de tomada de conhecimento dos mundos externo e interior, do que somos, do que sabemos, do que não sabemos, onde estamos e para onde vamos, representada pelo usuário/programador do computador.

Somente pelo viés da consciência que podemos fazer modificações nas outras três dimensões. Então, é na jornada do autoconhecimento que iremos alcançar a integridade e o sentido existencial que nos aproximará do sagrado, o reconhecimento do todo e a necessidade de servir a esse todo. Por isso, o sagrado equivale ao numinoso, aquela instancia que é simultaneamente fascinante e tremenda, provocando desejos paradoxais entre atração e medo. Porém, na minha experiência clínica, essa instancia é a mais importante a ser trabalhada, pois poderá possibilitar a conquista perene da felicidade, mesmo quando as pessoas tenham que lidar com as experiências de alegria ou tristeza, naturais da vida. Neste sentido, compartilho com a afirmação dada por C. G. Jung, ao dizer que no âmago das queixas de seus clientes estavam as questões religiosas, no sentido de religare que é a re-ligação da consciência com a totalidade, tanto intra quanto extra psíquica, para que o indivíduo encontre o sentido e o significado da sua existência.

5 – Qual a importância da espiritualidade para o ser humano?

Magaldi – Infelizmente, a maioria dos nossos lideres são pessoas com grande capacidade intelectual, mas empobrecidos moralmente, justamente por faltar a eles a dimensão espiritual. É na dimensão espiritual que os sentimentos de amor e tolerância, associados à ética e ao respeito, a si mesmo e aos próximos, podem acontecer. Como valorizamos apenas a aparência do mundo horizontal, a vida interior do mundo vertical fica de lado e é por isso que vemos tantos escândalos, corrupções, egoísmos, exclusões e abusos.

Só um indivíduo espiritualizado terá serenidade e discernimento para lidar com as dificuldades, aceitando os fatos imutáveis e buscando a transformação dos mutáveis. Lembrando que ninguém transforma ninguém, mas ninguém se transforma sozinho.

6 – O senhor pertence a alguma corrente religiosa?

Magaldi – Atualmente, depois de tanto estudo e experiências em busca da “re-ligação” do eu com o inconsciente, pessoal e coletivo, cheguei à infeliz conclusão de que, a grande maioria das religiões é exotérica, ou seja, coloca o sagrado ou Deus numa dimensão exterior. Com isso, elas tentam ser uma espécie de “despachantes” que prestam o serviço de intermediar nossa relação com o sagrado, e acabam deixando de exercer a re-ligação – função fundamental que todas as religiões deveriam assumir. Então, para recebermos o serviço desta intermediação, devemos ficar acorrentados nos dogmas, mitos e ritos da religião exotérica escolhida ou “contratada”, e deixamos de nos conhecer verdadeiramente. Por isso, acabei aderindo à idéia de que quando a humanidade conseguir perceber que Deus está em tudo e não pertence a nada, ela encontrará a verdadeira religiosidade e se libertará das religiões que só servem para a vaidade e enriquecimento dos seus lideres. Situação bem diferente nas poucas e pequenas tradições esotéricas, que levam o indivíduo a reconhecer o sagrado e a divindade dentro dele, na sua imanência, para depois poder atingir a transcendência desejada.

De qualquer modo, mesmo as religiões exotéricas, possuem determinados conhecimentos que podem ser úteis para o processo de autoconhecimento. O problema é ficarmos fanatizados ou acorrentados a elas, que também fazem o uso abusivo dos sentimentos de medo, culpa e vergonha, para fidelizar seus fiéis adeptos.

7 – Hoje, segundo o senhor, a saúde é muito mais do que o bem-estar biopsicossocial. A ausência de sintomas não garante a qualidade de vida. Mesmo que, sem sintomas físicos, as pessoas sofrem o mal da apatia, da falta de sentido existencial. O que sugere a essas pessoas? Como elas podem saber que o mal delas é, de fato, a falta de sentido existencial?

Magaldi – Infelizmente, a grande massa humana está em estado de anestesia, inconscientes de si mesmas e presas nas engrenagens alienantes do sistema capitalista de consumo utilitarista. Essas são as razões te tanta apatia e solidão. Não é fácil sair da “matrix“, pois o autoconhecimento não é um caminho livre, leve e fácil. Ele exige dedicação, esforço, consciência, consistência e diligência. Para a maioria silenciosa das pessoas acaba sendo mais fácil ficarem na inconsciência apática de si mesmas, contentando-se ocasionalmente com alguns momentos de alegria ou de ilusão, que possibilitam a sensação de estarem vivas.

Por isso nossa cultura tem tanta necessidade de atividades produtoras de adrenalina, presentes nas situações de dependências, abusos e compulsões. Situação facilmente observada no consumo patológico, nos transtornos alimentares, nas farmacodependências, drogadicções e alcoolismo, nas atividades perigosas e aventureiras, como saltar de bungge-jump, nos jogos de azar e em todos os excessos que vão desde o trabalho até o sexo. Essas são as razões de tanto uso de antidepressivos e outras medicações psiquiátricas para ajudar as pessoas a se concentrarem, dormirem, serem menos impulsivas e mais confiantes.

Então, para as pessoas que ainda não foram acometidas por algum tipo de sintoma: físico, emocional, psíquico, familiar, profissional, social ou espiritual, e não tem consciência do seu estado de dormência apática e de aprisionamento em uma das duas rodas, resta-nos apenas aguardar. Pois o chamado, mais cedo ou mais tarde, acaba surgindo e, a meu ver, a maior missão de quem já conseguiu um pouco do autoconhecimento é o de promover e divulgar esse caminho para as demais pessoas. Enquanto isso, elas continuarão consumindo, inclusive os livros de auto-ajuda.

8 – Pessoas desmotivadas normalmente não têm vontade de fazer nada. Muito menos de buscar ajuda. Quando se fala em ajuda terapêutica então a primeira desculpa é a falta de dinheiro para pagar as sessões. Qual a saída para essas pessoas? O que deveriam fazer?

Magaldi – Quem está desmotivado está sem entusiasmo (entheos, palavra que em grego quer dizer com Deus). Ou seja, as pessoas desmotivadas perderam o propósito e a dimensão sagrada de servir por meio do labor. Primeiro devemos entender que só podemos dar o que temos e, conseqüentemente, só iremos receber o que damos. Desta forma, se queremos mudar nossa vida, a mudança começa no íntimo do nosso ser. É claro que um bom profissional de ajuda, que esteja engajado nessas premissas, além de ser raro, provavelmente é caro. Mas sempre existem possibilidades em escolas, livros e até grupos religiosos que entendem que Deus está no interior de cada ser humano e de que não é necessário nenhum intermediário ou sacrifício de qualquer tipo de prazer ou dinheiro para acessá-Lo. Basta querer e se abrir para o autoconhecimento, por meio de reflexões sinceras sobre a vida, e fazer um contínuo e profundo inventário de si mesmo já são grandes passos para a cura.

9 – No livro, o senhor fala bastante sobre dar e receber. Pode falar um pouco sobre isso?

Magaldi – Todo princípio da dádiva está calcado na dinâmica do dar, receber e retribuir. Não é por acaso que em inglês arcaico gift significa simultaneamente veneno e presente, pois todo presente te prende na dinâmica da dádiva. O medo patológico, ocasionado pela falta de autoconhecimento, produz o desejo do poder e, neste caso, o dinheiro, e o seu acúmulo, acaba sendo um bom instrumento para alimentar a ilusão do poder e o enfrentamento do medo. Com isso, a dinâmica do dar, receber e retribuir, princípios universais da evolução, ficou comprometida e, conseqüentemente, a vida foi ficando sem graça, em todos os sentidos.

10 – Por que apesar de a maioria dos analistas e consultores dizer que nos períodos de turbulência os investidores devem ficar tranqüilos e esperar a crise passar, muitos insistem em agir de forma impulsiva e colocam “tudo” a perder? Existe, neste caso, alguma analogia entre as finanças e a vida como um todo?

Magaldi – Essa situação é muito estudada na psicologia social. Todos os seres vivos são movidos por demandas muito parecidas, entre elas temos os instintos básicos de sobreviver, crescer e ter segurança para poder perpetuar. É importante salientar que as pessoas que vivem dominadas, preponderantemente, por esses instintos se tornam muito imediatas, impulsivas e reativas.

Os seres humanos, além de possuírem os instintos básicos, que sempre estão acompanhados dos sentimentos de angústia e de medo, também possuem muita necessidade de se sentirem pertencentes a alguma estrutura coletiva como família, sociedade, religião, entre outras formações grupais. E como a realidade contemporânea faz uso abusivo do medo como meio de manipulação dos desejos humanos, acabamos criando uma sociedade polifóbica, muito assustada, com muitos medos e desejos de pertencimento e segurança.

Essa sociedade polifóbica, iludidamente, nos leva a acreditar que o poder é a única forma de conter o medo. Atualmente, obviamente, o melhor objeto para conferir esse poder é o dinheiro, o capital que confere patrimônio na nossa estrutura patriarcal capitalista. Então, quando os investidores ficam ameaçados em perder seu objeto de poder e percebem o movimento impulsivo e histérico dos outros, imediatamente começa surgir o “efeito manada”, onde a maioria reage irracionalmente, desembocando nessa situação de crise coletiva.

Desta forma, quando o inconsciente coletivo entra em ação, é muito difícil contê-lo, realidade facilmente percebida em toda a história da humanidade. Então, quem não tem o perfil do investidor, que fica tranqüilo e até aufere vantagens nas crises, não deveria entrar nesse tipo de negócio. O que deixaria os investidores especuladores muito decepcionados, pois não teriam tantas vantagens dos neófitos assustados nesses períodos de turbulência.

11 – Então, para o senhor, quem tiver esse autoconhecimento não irá investir seu dinheiro no mercado de capitais?

Magaldi – Não podemos fazer correlação direta entre autoconhecimento ou espiritualidade com pobreza, inferioridade e falta de ambição. Se um indivíduo conquistou o autoconhecimento e mesmo assim acreditar que seu talento, seu servir, está no mercado de capitais, é lá que ele deve estar. Certamente essa pessoa será muito mais capacitada para operar, não reagindo tão impulsivamente e, provavelmente, também não arriscando os investimentos em papeis de empresas que não estejam minimamente compromissadas com as questões ambientais, de auto-sustentabilidade e humanitárias.

A grande diferença é que a ambição do indivíduo que atingiu o autoconhecimento e encontrou o prazer em servir está voltada para a própria humanidade, sem precisar abrir mão da sua qualidade de vida. Ou seja, o compromisso é na construção de um mundo melhor, onde as diferenças não continuem produzindo desigualdades e exclusão.

12 – Qual a importância do autoconhecimento quando se trata de dinheiro, saúde e sagrado?

Magaldi – A frase milenar: “homem conheça-te a ti mesmo, e só então poderás conhecer os deuses“, que foi encontrada no frontispício de Delfos, no templo de Apolo, nos dá bem a importância deste autoconhecimento. Não é por acaso que ela foi utilizada pelos órficos, pelos pitagóricos, repetida no mais importante aforismo de Hipócrates, o pai da medicina, na base do pensamento homeopático, e atualmente nos conceitos de psicossomática e de psicologia integral. Porque, quem se conhece deixa de ser impulsivo e imediato, pois aprende a ser reflexivo e mediador, ao abandonar os excessos, os abusos e as compulsões. O autoconhecimento nos possibilita perceber e compreender nossos pensamentos e crenças e, conseqüentemente nossa realidade e destino. Porque os pensamentos produzem nossas palavras, que são manifestadas nas nossas atitudes. Nossas atitudes transformam-se em hábitos e acabam formando nosso caráter que, por sua vez, traçará o nosso destino. Por isso, na raiz do destino estão os pensamentos e é daí que poderá surgir qualquer mudança, incluindo a saúde, a riqueza e a cura biopsicossocial e espiritual, primeiramente individual para depois tornasse coletiva.

Para quem ingressou no caminho do autoconhecimento, caso ainda não tenha encontrado, deve estar muito próximo de seu mais alto fim existencial. Sendo que, o desvio desta finalidade existencial é caracterizado pela perda do alvo, a hamartia ou pecado citado nas tradições abraâmicas que englobam o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. O pecado é a perda do alvo, do sentido e do significado existencial e os sintomas, nesta premissa, são “quedas” que possibilitam a reflexão sobre o caminho equivocado que está sendo seguido. Por isso, a cura depende de uma mudança de direção, é a conversão ou a quebra de paradigmas para que a evolução criativa e amorosa possa continuar seu movimento. Desta forma, quem está aprisionado em qualquer roda viciosa está sem propósito e sem alvo.

13 – O senhor diz que é na tomada de conhecimento sobre o mundo e, principalmente, sobre si mesmo, que está a possibilidade de cura tanto do indivíduo quanto da coletividade. Por que acredita nisso e de que modo esse conhecimento mudaria tudo isso?

Magaldi – Porque todo indivíduo que consegue romper seu estado alienante e autômato, inevitavelmente, teve que travar e superar um embate com o seu lado sombrio, seu mundo inconsciente. Deste confronto inevitavelmente surgirá um sentimento de amor transbordante onde a pessoa ficará gratificada pelo fato de aprender amar o amor. Ou seja, amar o amor que ela irá estabelecer com o seu próximo e com o mundo, mesmo que, transitoriamente, vestidos de aspectos sombrios, assustadores e indesejados. Essa é a base da tolerância e da compaixão ou do amor ágape, proposto por Jesus.

14 – Será que o ser humano, com o autoconhecimento, pode chegar a ser tão altruísta assim? Infelizmente, quando percorremos as páginas diárias dos jornais o que mais vemos são notícias de corrupção, cobiça, roubo e toda sorte de agressões advindas de qualquer esfera econômica, social, política ou religiosa.

Magaldi – Essa é a diferença básica e evolutiva entre ter a informação, o conhecimento e o autoconhecimento. A grande maioria das pessoas, infelizmente, fica apenas com a informação, mas não transforma esses dados em atitudes práticas para adquirir o conhecimento. Uma minoria, bem diferenciada e privilegiada, consegue transformar a informação em conhecimento e, com isso, acaba tendo ascensão às esferas sociais, econômicas, políticas ou religiosas – muitas vezes utilizando-se da deplorável prática do lobby sujo, corruptor e não transparente, infelizmente muito comum na nossa política contemporânea. Porém, por não terem o autoconhecimento, acabam utilizando suas conquistas na ilusão do acúmulo e do poder para aplacar seus sentimentos de angústia e de medo. Mas, felizmente, cedo ou tarde, acabam tropeçando e vão parar nas notícias escandalosas das páginas dos jornais. Não podemos deixar de ponderar que a nossa liderança é composta pelos indivíduos mentalmente competentes e moralmente pobres, por conta da falta de autoconhecimento e espiritualidade, e esta é uma das causas dos atuais problemas contemporâneos.

De fato, muito poucas pessoas estão conseguindo dar um passo adiante do conhecimento para alcançarem o autoconhecimento. Não percebem que só quem se conhece pode se ter, para futuramente se dar. Ninguém pode dar o que não tem e, conseqüentemente, não poderá receber o que não pôde dar. Ou seja, se eu me amo verdadeiramente, sem a necessidade de acessórios, títulos, grifes e outros artifícios, eu poderei dar o meu amor amando o outro e, em contrapartida, poderei ser amado pelo outro. Essa é a teoria da dádiva, a lei da atração ou simplesmente a fala de São Francisco de Assis ao afirmar que é dando que se recebe, tendo sempre em mente que não podemos dar o que não temos.

15 – De que modo o dinheiro se transforma em instrumento do próprio amor?

Magaldi – Como já citei anteriormente, o dinheiro é energia e a energia não é boa nem má, ela apenas é um elemento capaz de produzir transformações. Então, toda pessoa que atingiu o estado da compaixão, do amor ágape, certamente irá usar o dinheiro amorosamente, livre das influências das duas rodas de aprisionamento humano.

16 – Em que vale a pena investir mais: na saúde, no dinheiro ou no sagrado? Por quê?

Magaldi – Também como já comentei anteriormente, essas três demandas humanas são igualmente importantes, coexistentes e se interpenetram, e não podem ser classificadas numa escala hierárquica de valores.

17 – Ateus e céticos têm visão diferente sobre essa relação entre saúde, dinheiro e sagrado? O que diz sobre eles?

Magaldi – Tanto os ateus, por não acreditam na existência de um deus, quanto os céticos, descrentes ou sem fé, são indivíduos que, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, sofrem as influências dessas três demandas e, por mais que tentem negar, sempre ficarão a mercê delas quando as doenças, na maioria das vezes, acabam violando as pessoas na forma de sintomas. Por isso, entendo que os sintomas são denúncias simbólicas que evidenciam os excessos da presença ou da ausência de saúde, de dinheiro, ou de sagrado.

18 – O senhor acredita que qualquer pessoa seja capaz de responder e/ou fazer o “Inventário Existencial” proposto em seu livro? Parecem ser necessários anos de psicoterapia e muito conhecimento sobre a psique e o comportamento humano para conseguir fazer esse inventário de forma profunda e sincera.

Magaldi – Como está escrito no preâmbulo do inventário existencial, por mim proposto no final do livro, em qualquer momento evolutivo que o indivíduo esteja ele poderá fazer essas reflexões e obter proveito delas. É obvio que a aquisição de conhecimento sobre si mesmo não é muito fácil. Na verdade, as relações mais complicadas de serem estabelecidas são a do autoconhecimento e depois com os nossos credores, representadas pelas pessoas que “compraram” ou acreditaram nos personagens que “vendemos” ou mostramos a elas. Mas acredito que qualquer pessoa, mesmo sem a ajuda de um psicoterapeuta, poderá fazer grandes progressos nessa jornada ao mundo interior, que possibilitará a descoberta da alma.

19 – Pode dar dicas sobre qual o melhor caminho trilhar na busca incessante pela integração total do ser?

Magaldi – Creio que a primeira coisa a se fazer é o caminho da interioridade, acompanhado das reflexões existenciais em busca de sentido e de significado para a vida. Esse caminho não é tão fácil assim, ele requer perseverança, diligência, silêncio e quietude. As pessoas, por estarem acostumadas com a tagarelice dos negócios cotidianos, ficam muito incomodadas com o processo do autoconhecimento, pejorativamente chamando-o de ócio. E, por isso mesmo, negam-no veementemente transformando a própria vida em um contínuo negócio – negação do ócio. A conseqüência disso é o aumento do medo, da insegurança e da “roda” viciosa do acúmulo, da dívida ou do ganho. Mesmo tendo o conhecimento de que a criatividade está no ócio, muitas pessoas acabam fugindo da descoberta desse potencial imanente fanatizando-se em religiões ou rituais, caminho tão alienante quanto o dos cientistas que ficam obtusos e iludidos no poder das especializações.

Por isso, muitas pessoas não conseguem reverter a “roda”, apesar de comprarem bacias de livros de auto-ajuda que, na maioria das vezes, ajudam apenas a seus editores e autores, porque o caminho do autoconhecimento, apesar de solitário, na maioria das vezes requer a ajuda de um mestre. Então, quem busca o autoconhecimento precisa da ajuda de pessoas sábias, que já conquistaram esse autoconhecimento. E quem é esse sábio mestre? Geralmente é aquela pessoa que, apesar das dificuldades inerentes à vida, demonstra felicidade, entusiasmo e prazer em servir ao próximo com seus talentos. Pode ser um guia espiritual, um analista, ou alguma pessoa em que podemos estabelecer uma relação empática, sincera e de confiança, para questionarmos o sentido e o significado da nossa existência, na busca de servir nossos talentos aos próximos e ao mundo, saindo da “roda” viciosa para a virtuosa.

É importante deixar claro que a realização do mais alto fim existencial não é tão fácil de ser reconhecida e, mesmo quando a pessoa encontra seu sentido vocacional de servidão, na maioria das vezes o meio social não é muito favorável. Ou seja, equivale a um caminho iniciático que sempre vai exigir do adepto o equivalente à jornada do herói. Lembrando que o herói é aquele que, na maioria das vezes, sacrifica-se para atender a demanda da maioria, imbuído da assepsia literal do sacro-ofício. Também é expressivo deixarmos claro que ninguém transforma ninguém, mas que ninguém se transforma sozinho e é nesse sentido que se faz necessário um encontro amoroso de transformação. Porque o amor verdadeiro, por não querer transformar os outros transforma, ao propiciar liberdade e alegria, condições criativas para que as demandas evolutivas de cada indivíduo possam acontecer.

20 – Porque o Senhor escolheu o tema: “Dinheiro, Saúde e Sagrado”? Em que se baseou para afirmar que: “no panorama político, social, ecológico e econômico do mundo globalizado, constatamos que, na prática, as riquezas advindas do dinheiro é que são adoradas”? Qual estudo realizou para escrever esse livro?

Magaldi – Trabalho como psicoterapeuta há mais de 25 anos e sempre acabo reconhecendo que no âmago de qualquer queixa, trazidas pelos meus clientes, estão a dimensão espiritual e as questões de saúde nas esferas biológicas, psíquicas, relacionais, familiares, profissionais e sociais. Sendo que, em qualquer dimensão a presença ou a ausência do dinheiro acaba sendo uma energia capaz de interferir significativamente. Com isso, para mim, ficou claro que dinheiro, saúde e sagrado são extremamente importantes na qualidade de vida de todo ser humano. Por outro lado, percebe-se claramente o processo de monetarização da dádiva, ou seja, como o dinheiro acabou virando meio de troca para a salvação ou pra a saúde, facilmente observada desde as vendas de indulgencias da idade média até o atual assombroso enriquecimento das instituições religiosas e de muitos de seus servidores. Além disso, a riqueza material, para muitos, ainda é prova de predestinação e de bem-aventurança. Ou seja, atualmente o dinheiro está na raiz da saúde e do sagrado.

Desta forma, para mim, ficou muito claro que o dinheiro acabou sendo sacralizado e acabou assumindo status divino. Por isso, estudando as contribuições de antropólogos, sociólogos, historiadores e teólogos, pude fazer um levantamento do processo de monetarização da dádiva, analisando esse processo à luz da psicologia junguiana. Além disso, como parto de uma perspectiva evolucionista e espiritualista da natureza, trabalhei os resultados da pesquisa nas práticas religiosas e médicas da contemporaneidade. O que me permite proporcionar ao leitor, além de muitas informações culturais, o início do caminho do autoconhecimento. E esta é a razão de eu ter encerrado o livro com a sugestão de um inventário existencial para que esse processo de autoconhecimento aconteça de maneira mais dirigida e eficiente.

21 – Como a psicologia se relaciona com a religião?

Magaldi – Minha experiência como analista junguiano, me fez compreender que psicologia e religião são práticas muito parecidas, pois ambas cuidam da alma, que em grego é chamada de psique. E, de fato, um bom analista deve estar muito mais atento à realização a alma do que à simples adaptação normótica do indivíduo nas atuais rodas viciosas do capitalismo consumista. Por isso, acabei fazendo mestrado e doutorado em ciências da religião, onde pude compreender, ainda mais, que no âmago de todo sofrimento humano está à dessacralização e o desencantamento da vida, condição facilmente restabelecida pelas religiões esotéricas ou pela psicologia profunda de Carl Gustav Jung.

Com isso, acredito que religiosidade, psicologia e homeopatia, apesar de muitas críticas dos materialistas e céticos, são grandes instrumentos para a cura e para a conquista da felicidade. Então, concluo com estas duas citações de Jung:

“A alma possui uma função religiosa natural. A tarefa mais nobre de toda a educação (do adulto) é a de transpor para a consciência o arquétipo da imagem de Deus, suas irradiações e efeitos”. (Psicologia e Alquimia § 14; Editora Vozes)

“Tenho visto as pessoas tornarem-se freqüentemente neuróticas quando se contentam com respostas erradas ou inadequadas para as questões da vida. Elas buscam posição, casamento, reputação, sucesso externo ou dinheiro, e continuam infelizes e neuróticas mesmo depois de terem alcançado aquilo que tinham buscado. Essas pessoas encontram-se em geral confinadas a horizontes espirituais muito limitados. Suas vidas não têm conteúdo ou significado suficiente. Se tiverem condições para ampliar e desenvolver personalidades mais abrangentes suas neuroses costumam desaparecer”.

22 – Parece que o senhor faz sérias críticas contra o capitalismo, o liberalismo e a globalização. Qual sua posição diante destas realidades econômicas e contemporâneas?

Com relação à economia, me considero muito mais afeito ao liberalismo, e não sou contra o capitalismo. Aliás, creio que o capitalismo é uma conquista evolutiva da humanidade, apenas precisa de algumas adequações para evitar o contínuo e crescente distanciamento entre a maioria da população pobre e a minoria dos empreendedores, cada vez mais ricos. Por ser liberalista acredito que a maioria das ingerências protecionistas do Estado acaba sendo perniciosa e só serve para os governos populistas ou ditatoriais, deixando os excluídos ainda mais dependentes e humilhados. Porém, tenho minhas reservas com o neoliberalismo. Com relação à globalização, também é um fato inevitável e até favorável no sentido de contribuir para que o mundo seja unido na sua diversidade, sem transformar as diferenças em desigualdade. Por ser fã, adepto e usuário da w.w.w., creio que esse meio pode ser um excelente caminho para a integração dos povos, a socialização do conhecimento e a conquista da paz, tão desejada por todos!

O bom empreendedor capitalista sabe que o capital precisa circular e que, para isso, a maioria precisa de recursos para continuar a espiral evolutiva. O futuro depende de medidas de governança corporativa e participativa, de planos de auto-sustentabilidade, de cuidados humanitários e ecológicos. Só o empreendedor ganancioso, que está iludido e desvairado com o poder, que pratica o acúmulo predatório, correndo o risco de ficar aprisionado em sua caixa forte como o Tio Patinhas. Aliás, os empreendimentos Disney conseguem uma das melhores performances em fidelização de clientes, estatísticas apontam de que 70% dos visitantes retornam, no mínimio, 3 vezes. Isso em função de uma série de atividades que incluem, além de muito trabalho, criatividade, motivação continuada e, acima de tudo, entusiasmo e orgulho por parte de seus funcionários. No livro eu faço algumas análises sobre a relação entre o Tio patinhas e os Irmãos Metralhas, assim como comento a respeito da idéia de sucesso de capitalismo para Walt Disney, afirmando depender do trabalho, da criatividade e da sorte.

Encerro a pergunta lembrando que em 1996, a Unesco (Organização da Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), divulgou um estudo mundial sobre a educação, desembocando nesses quatro pilares: Aprender a ser; Aprender a conviver; Aprender a aprender; e Aprender a fazer; Observe que tudo começa pelo autoconhecimento, só assim que uma política capitalista, não predatória, e liberal poderá contribuir para um cenário onde a diferença entre empreendedores e população não seja tão desigual e desumana.

* WALDEMAR MAGALDI FILHO (www.waldemarmagaldi.com). Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: “Dinheiro, Saúde e Sagrado”, coordenador dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Psicossomática, DAC – Dependências, abusos e compulsões, Arteterapia e Expressões Criativas e Formação Transdisciplinar em Educação e Saúde Espiritual do IJEP em parceria com a FACIS. wmagaldi@gmail.com


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