MINHA EXPERIENCIA COMO PSICOTERAPEUTA – III – DEPENDÊNCIA QUÍMICA

11 de abril de 2018

Continuando a série de artigos a respeito da minha experiência como psicoterapeuta, desta vez, abordarei sobre o tema da DAC – dependências, abusos e compulsões. Porque, para mim, a somatória dos sintomas desta doença pode ser considerada a maior epidemia da contemporaneidade. Sendo que a dependência química, síndrome caracterizada pela perda do controle do uso de determinada substância psicoativa, e o alcoolismo ou a dipsomania, produzem muitos transtornos sociais, com elevados custos ao estado, dificuldades de tratamento e preconceitos que complicam ainda mais o tratamento. Por isso, na condição de coordenador e professor de um curso de DAC, na FACIS, resolvi escrever sobre este tema. Os sintomas mais comuns nos portadores de DAC são: tabagismo, alcoolismo, dipsomania, farmacodependências, toxicomanias, jogador compulsivo, comprador compulsivo – oneomania e transtornos alimentares.

DAC é uma doença de difícil cura e que, infelizmente, gera estigmas depreciativos a seus portadores. Os portadores de DAC não são preguiçosos, vagabundos, acomodados, sem-vergonha, entre outras desqualificações. Eles são indivíduos que sofrem por não conseguirem deixar algum tipo de comportamento que pode envolver consumo ou atitudes que geram a perda da liberdade e danos em seu entorno físico, familiar, profissional, amoroso, social e até espiritual. E é nesse sentido que o terapeuta deve trabalhar, visando o restabelecimento saudável do indivíduo com o seu entorno, nestas seis demandas acima apontadas.

Parece que a maioria dos casos de sucesso para as dependências começa por meio de uma experiência de limite, a chamada sensação de “fundo do poço” que provoca riscos e medo eminente. Geralmente acontece algum fenômeno que “empurra” o dependente para um desejo de mudança. Porém, é muito importante entendermos que cada um aprende à sua maneira, e que a abstinência total, da substancia ou comportamento de abuso, é o início para um tratamento de sucesso. Neste sentido, nos casos de disfunções alimentares, nos deparamos com a questão de que a abstinência é impossível de ser praticada.

A principal característica de um dependente é que ele continua compulsivamente no comportamento de abuso apesar de estar tendo problemas significativos, advindos da sua dependência. Porque ele já está viciado em alguma atitude que produz substancias química, endógenas ou exógenas, que irão modificar o seu humor. É importante ressaltarmos que tanto as drogas ingeridas, inaladas ou injetadas quanto as atitudes produtoras de emoções podem alterar a bioquímica sanguínea mudando o comportamento do pulmão, coração e cérebro!

A fantasia, o auto-engano ou a ilusão do dependente é de que sua atitude ou substancia de abuso lhe deixa mais criativo, porém, na realidade, o que acontece é que ele vai ficando mais isolado por conta da sua negação e arrogância diante da sua dependência. Ele se acha descolado, mas vai ficando deslocado do contexto social. Nesse momento é que as intervenções podem acontecer, abordando a angústia como essência existencial e promovendo a ampliação da consciência, como elemento de presença e fé na vida.

Em primeiro lugar o tratamento deve visar a penetração, a quebra das defesas e couraças do auto-engano, por meio do estabelecimento de um vínculo amoroso, assertivo e transparente. Depois se deve incentivar a mudança de perspectiva da vida do dependente, convidando-o para aprofundar nas suas histórias, sonhos, lúcidos ou oníricos, memórias e reflexões. Só assim os sentimentos de vergonha e culpa poderão deixar espaço para a coragem de ser – coragem como a ação do coração! E o padrão repetitivo dar espaço para o novo.

Quebrar o padrão repetitivo é o grande desafio dos profissionais de ajuda. Porém, para que isso comece a acontecer os próprios profissionais de ajuda devem estar imunizados contra esse padrão, sem correrem o risco de ficarem alienados do construto social e cultural. Ou seja, para mim, devem estar engajados no processo de individuação proposto por Jung. Porque só podemos ajudar o próximo na medida em que nos ajudamos. Se eu não estiver curado – íntegro por ter alcançado a melhor consistência do meu ser, reconhecendo minha imperfeição e a existência da persona e da sombra – não poderei contribuir com o processo de cura do outro e nem coexistir com as diferenças. Se não passamos por esse processo jamais poderemos promover esse caminho, artístico, artesanal e único, a outrem.

Só podemos perceber o mapa alheio quando passarmos a ser o cartógrafo do nosso próprio mapa. Somente na condição de indivíduo integral é que poderemos estabelecer vínculos saudáveis e verdadeiros e começar a quebrar os padrões de dependências patológicas e repetições dos outros indivíduos. O sintoma, por sua vez, sempre é a manifestação simbólica da doença que denuncia algum tipo de paralisia e interdição do fluxo natural das trocas.

Mas é importante deixar bem claro que os sintomas, sejam eles manifestados nas dimensões físicas, anímicas, mentais ou espirituais – soma psique, nous ou pneuma – já são imagens que carregam os elementos estruturantes da cura. Essa é à base do aforismo hipocrático ao afirmar que o que te fere é o que te cura. As experiências advindas dos recônditos mais profundos e superiores da psique humana são arquivadas na forma de imagens inexprimíveis e, na maioria das vezes, numinosas. As imagens não dependem da linguagem, pois a grande massa de informações é oriunda da memória do inconsciente coletivo ou dos estágios embrionários e do primeiro ano de vida. A maioria delas são pré-verbais e pré-egóicas. Estas são as razões de tanto insucesso nos procedimentos psicoterapêuticos com enfoques puramente verbais, por serem insuficientes para abranger toda a riqueza do conteúdo psíquico.

A maioria das escolas de psicoterapia tem o objetivo de entender como a mente trabalha e reparar as desordens emocionais. Tendo como meta aplicar seus fundamentos teóricos para promover mudanças no modo de pensar e agir dos seus clientes. Sendo o terapeuta o responsável para que isso aconteça por causa de seu conhecimento e “treino”. Porém, as crenças pessoais de cada terapeuta interferem completamente no modo operante do trabalho clínico, mesmo quando os terapeutas pertencem a uma mesma escola e estão diante de dificuldades parecidas. O que deixa este trabalho completamente subjetivo e muito vulnerável com a atual academia científica que é reducionista causal.

Por isso que a psiquiatria tradicional acabou se refugiando no modelo mecanicista da doença tentando, na maioria das vezes, apenas “controlar” ou suprimir bioquimicamente os sintomas indesejados, mesmo que modernos e avançados estudos não conseguem provar causas biológicas para a grande maioria das “desordens mentais”. Parece que para essa grande massa de psiquiatras e, infelizmente, alguns psicólogos inseguros com suas técnicas e ávidos por resultados imediatos, rotular e enquadrar as pessoas em algum nome psicopatológico, obviamente sem nenhum fundamento orgânico, possibilita a ilusão de controle dos sintomas indesejados e de tratamento.Com isso, para os mecanicistas, fica quase impossível compreender que o aparecimento do sintoma já é a possibilidade de cura, desde que o sintoma seja transformado em símbolo para que a imagem da doença possa aparecer e proporcionar a verdadeira cura por meio da ampliação da consciência do queixoso.

* WALDEMAR MAGALDI FILHO (www.waldemarmagaldi.com). Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: “Dinheiro, Saúde e Sagrado”, coordenador dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Psicossomática, DAC – Dependências, abusos e compulsões, Arteterapia e Expressões Criativas e Formação Transdisciplinar em Educação e Saúde Espiritual do IJEP em parceria com a FACIS. wmagaldi@gmail.com


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