FORMAÇÃO DE ANALISTA JUNGUIANO NO BRASIL

11 de abril de 2018

Para mim, viver é a contínua experiência de afetar e ser afetado, sem isso não tem troca e, sem essa troca, só predomina a persona. Sabemos que cada afeto desperta emoções e, quando uma delas ganha autonomia, unilateralidade e literalidade é por conta da ativação dos complexos. Não creio que este texto tenha sido confeccionado na dinâmica de algum complexo constelado em mim*, mas com o propósito de deixar transparente meu posicionamento, e de todos membros analistas e professores do IJEP, para instrumentalizar nossos alunos de pós-graduação e analistas em formação, que são constantemente invadidos por posições opostas que, na prática da alteridade, precisam ser respeitadas, mas jamais aceitas. (* é obvio que o próprio complexo pode estar escrevendo isso, assim como pode ser que o complexo de colonizado e ou de escravizado que está exigindo, naqueles quem tem opinião contrária a essa, uma espécie de “carta de alforria” emitida pelos senhores estrangeiros para sentirem-se “livres” e seguros ao atuarem como analistas junguianos).

Atuo como analista junguiano há mais de 30 anos e coordeno o curso de pós-graduação lato-sensu, que titula especialistas em psicologia junguiana, advindos de qualquer área de formação, há mais de 25 anos. Neste período já titulamos mais de 2000 especialistas junguianos, nos cursos regularmente oferecidos nas cidades de Brasília, São Paulo e Rio Janeiro. Obviamente, apesar do certificado reconhecido pelo MEC, muitos alunos não conseguem realização na profissão, porque não tiveram prontidão e coragem para imergir nas profundezas da alma, encarando sua sombra para revelar a dimensão sagrada que está no íntimo de cada ser humano. A equipe de professores do IJEP é composta de analistas junguianos independentes, com vasta experiência clínica na análise junguiana, titulações acadêmicas, capacidade didática excepcional, ética e, acima de tudo, muita alma!

Como Carl Gustav Jung sempre afirmou, sem o confronto com si mesmo, por meio de uma relação de intimidade e profundidade com outro ser humano, jamais acontecerá o autoconhecimento. Esse é o princípio da análise, onde o analista precisa ter muito mais do que títulos, porque estes não servem para nada sem a presença da dimensão anímica, espiritualidade, sensibilidade, cultura e capacidade amorosa. E isso só pode ser adquirido por meio da experiência relacional.  Por isso que Jung sempre elegeu alguém sensível para praticar esse encontro analítico, independente da titulação do interlocutor, afirmando:

“Quem quiser conhecer a psique humana […] o melhor a fazer seria pendurar no cabide as ciências exatas, despir-se da beca professoral, despedir-se do gabinete de estudos e caminhar pelo mundo com um coração de homem: no horror das prisões, nos asilos de alienados e hospitais, nas tabernas dos subúrbios, nos bordéis e casas de jogo, nos salões elegantes, na Bolsa de Valores, nos “meetings” socialistas, nas igrejas, nas seitas predicantes e extáticas, no amor e no ódio, em todas as formas de paixão vividas no próprio corpo, enfim, em todas essas experiências, ele encontraria uma carga mais rica de saber do que nos grossos compêndios”

Neste sentido, é um absurdo imaginarmos que o indivíduo, apenas por estar vinculado a algum grupo que se denomina detentor deste conhecimento, seja capacitado para atuar como analista junguiano. Particularmente conheço vários que possuem até titulação internacional e são pessoas completamente inadequadas, por isso seus consultórios não acontecem e ficam desesperados em busca de clientes, valorizam a reserva de mercado e retroalimentam, aqui no Brasil, o complexo do colonizado, afirmando que é necessário estar vinculado a algum instituto internacional, como se fossemos totalmente incapazes para compreender a obra e a prática junguiana, que está disponível a qualquer interessado sensível, profundo e livre, para poder se entregar ao processo de individuação. Por isso, restringir a formação de analista junguiano a médicos ou psicólogos é totalmente ridículo, principalmente porque esses cursos não garantem, em hipótese alguma, o encontro com a alma. Muito pelo o contrário, a medicina forma técnicos voltados para a bioquímica, fisiologia e patologias, e a psicologia, na maioria dos cursos brasileiros, é uma colcha de retalhos de informações de inúmeras abordagens, preponderantemente psicanalíticas ou comportamentais, que também extirpam a alma e o sagrado.

É muita pretensão, arrogância, controle territorialista e ignorância, querer delimitar e até imaginar poder fazer um campo cirúrgico para o encontro das almas. Para mim, a realização do analista é poder servir, infelizmente não a quem queremos, porque nem sempre nosso objeto de amor aceita ou tem prontidão para receber nosso amor, mas, mesmo assim, não podemos perder a fé e continuar servindo. Então, quando aprendemos a amar o amor, e passamos a servir incondicionalmente, deixamos de valorizar as coisas e passamos a servir a alma, com desapêgo e aceitação, sem a ilusão do controle e sem as compulsões, e isso só se aprende nas relações onde as almas estão presentes, sem a influência das personas institucionais.

Jung sempre afirmou que um analista precisa conhecer a história das expressões anímicas da humanidade, para poder compreender o que é inconsciente coletivo, arquétipos e os símbolos, e isso só é possível vivenciando os legados artísticos, científicos, filosóficos, históricos e religiosos, em toda sua pluralidade e diversidade. Nos museus estão registradas as memórias da evolução humana, em suas expressões artísticas, religiosas e científicas, e são neles que nos aculturamos e adquirimos sensibilidade e capacidade para a prática da alteridade. Sem isso, sem o confronto analítico com um interlocutor dotado de espiritualidade e sem entrega, de nada servem os títulos e filiações, utilizados para alimentar a persona deste analista que, obviamente, por negar sua sombra, invariavelmente, projeta-a no pobre mortal, no duplo sentido, que não tem recursos para fazer o processo de formação com a grife internacional, mas que se autoproclama, por ser independente e livre, como analista junguiano.

O legado teórico e vivencial, deixado por Jung, não pode ficar recluso nem é domínio particular de ninguém. Lembro-me, quando ele citou Aurobindo, ao afirmar que quando um homem pensa a coisa certa ele é ouvido a milhares de quilômetros de onde está. E isso fica evidente em toda sua obra, que nós, do IJEP, respeitamos e ensinamos com o cuidado de evitar anacronismos ou deformações. Por isso nosso curso contempla toda obra junguiana e, depois, caso o aluno queira aprofundar o processo, oferecemos a formação de membro analista do IJEP, para continuarmos esse movimento que certamente contribuiu e influenciou na divulgação e valorização deste construto teórico e prático no Brasil. Por isso, mesmo, desde 2016, na dada de aniversário da morte de C. G. Jung, nos comprometemos de fazer e divulgar anualmente o Congresso Junguiano do IJEP, que, na sua primeira versão foi gratuito e on-line, abordando os fundamentos da obra junguiana e o deste ano terá como tema central a Psicologia Junguiana na Contemporaneidade, que acontecerá de 05 a 07/06/2017. Para maiores informações vejam o site: www.congressoijep.com.br

*Waldemar Magaldi Filho, analista junguiano, psicólogo, mestre e doutor em ciências da religião, autor do Livro: ” Dinheiro, Saúde e Sagrado” – editora Eleva Cultural, sócio fundador do IJEP – instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa, onde atua como coordenador dos cursos de pós-graduação em Psicologia Junguiana, Arteterapia e Expressões Criativas e Psicossomática – www.ijep.com.br


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