AUTOCONHECIMENTO NA ECONOMIA CONTEMPORÂNEA

11 de abril de 2018

Qualquer análise histórica e antropológica deixa evidente a capacidade adaptativa, criativa e transformadora da espécie humana, principalmente nas situações de crise onde a superação acaba produzindo evolução. Esta capacidade, por um lado, possibilitou esse momento científico e tecnológico, inimaginável a menos de cinqüenta anos atrás, e acabou contribuindo para a monetarização da vida, da saúde e da dádiva. Por outro lado, está nos levando para uma nova crise com repercussão ecológica, social, cultural, física, psíquica e espiritual, manifestada na forma de sintomas, ambientais, comportamentais, relacionais, psicossomáticos, psiquiátricos e religiosos. Por isso tantas catástrofes, fanatismos, dependências, abusos, compulsões, consumo exagerado de remédios, divórcios, solidão, desigualdades, exclusão, entre outras patologias.

Além disso, quando o indivíduo ou um grupo perde a clareza do seu trajeto ou da sua conexão astral, o risco do trágico ou do desastre pode assustar e assombrar muito – (tragédia é relativo à falta de uma trajetória clara; desastre à perda com a conexão astral – desastro). Minha experiência com a tradição alquímica, que é uma das bases da psicologia junguiana, me permite saber que a opus (o trabalho) consiste num contínuo processo de solver e coagular, transformando a prima matéria (o chumbo ou a pedra bruta) em ouro (a pedra filosofal). Porém, também sei que esse caminho não é reto, exigindo etapas calcinantes, putrefantes e destilantes, até que o indivíduo ou o grupo atinja estágios evolutivos mais elevados. Sendo naturais, neste caminho evolutivo de envolvimento e desenvolvimentos (sair dos envolvimentos), as uniões e separações, sempre permeadas com crises e muitos medos.

Então, minha sugestão é a de sempre deixarmos claro os objetivos que estão motivando nossa existência e conseqüente união ou filiação a determinadas crenças, motivações e ações. Principalmente porque toda evolução tem na origem uma crise que tem o objetivo trazer o novo e também fazer com que o indivíduo, ou o grupo, mude o seu olhar, podendo deixar de ficar focado apenas no mundo exterior, em busca de adaptação narcísica. Porque, quem não consegue quebrar o fascínio pelo espelho da imagem que quer ou aprendeu a representar, jamais poderá ouvir o seu chamado! E isso vale tanto para o indivíduo, quanto para o grupo.

Como todo ser humano é criativo, complexo, único e deseja sentir-se e ser percebido diferente dos demais seres, inclusive dos próprios seres humanos. Por isso, a única coisa igual no ser humano é o seu desejo de ser diferente. E, para se manter diferente, acaba buscando conhecimentos e coisas únicas, customizando sua vida e abusando de moda, cosmética e até de interferências corporais, como plásticas, cicatrizes, tatuagens, piercings, entre outros adornos ou atitudes. Infelizmente, o desejo de ser diferente acabou fomentando a desigualdade, pela confusão de uma coisa com o a outra, alimentando simultaneamente o processo de exclusão social, a competição e a ciranda do consumo. Onde, atualmente, o ser humano acabou perdendo a capacidade de lazer e prazer independente do consumo.

Para mim, é impossível conhecer o mundo contemporâneo sem compreendermos como ele funciona economicamente. Para Adam Smith (1723-1790), filósofo e economista do “iluminismo escocês”, pai do conhecimento econômico moderno e teórico do liberalismo econômico, o homem é um agente moral, que possuí um observador interno, como uma testemunha que lhe garante a ética implícita, igual a um imperativo categórico. Porém, com o neoliberalismo esse agente “regulador”, que agia como um censor, ou o superego freudiano, ficou inoperante e acabou precipitando na imoralidade do funcionamento do sistema contemporâneo, onde as diferenças se tornam desigualdades e a corrupção e competições desleais e predatórias seguem valorizadas. Parece que a humanidade se esqueceu que o sistema financeiro e, conseqüentemente, o mercado nasceram para servir a economia real, que deveria ser a resultante da energia psíquica e vital da humanidade.

Com isso, o sistema financeiro acabou se apropriando da economia real, onde a única regra moral é o maior lucro possível, no menor tempo possível, para que os funcionários possam obter o maior bônus possível que, por sua vez, será imediatamente aplicado em papéis do Tesouro americano. Assim, a eficiência ocupou o lugar da criatividade e da ética, a testemunha interior ficou anulada pelo automatismo das leis do mercado e a eficácia foi deixada de lado pelas atitudes reativas e imediatas – sem a proatividade cooperativa e mediativa que geram evolução sólida.

Como o dinheiro é apenas uma energia que pode ser direcionada para qualquer foco, facilmente poderá ser usado para reverter essa situação crítica e alarmante que está se afigurando para o nosso futuro. Porém, para que isso aconteça, é necessário que uma quantidade significativa de pessoas passe por uma mudança de paradigmas, libertando-se das duas rodas viciosas e assimétricas que mantêm a engrenagem do atual capitalismo utilitarista em movimento. A roda maior é representada pela maioria das pessoas, mantendo-se vivas num contínuo circular entre consumo, dívidas e trabalho, ficando enredadas e, conseqüentemente, alienadas nesta teia. A roda menor, por sua vez, é representada por um pequeno número de pessoas, que vem diminuindo gradativamente, igualmente aprisionadas no continuum circular entre poder, lucro e acúmulo. Sendo que, no eixo desta engrenagem está a tentativa iludida da negação do medo e da angústia, temáticas inerentes e imanentes em todos os seres humanos.

Por causa da angústia somos invadidos pelos temores da solidão, do receio da morte, do medo da liberdade e da falta de sentido existencial. Para quem ainda não conquistou o autoconhecimento, esses medos produzem reações defensivas caracterizadas pela contínua obrigação de se sentir pertencente, necessário, importante, produtivo, rico, saudável, acumulando posses e muitos deleites. Essas “obrigações”, por sua vez, são responsáveis por uma infinita quantidade de dependências, abusos e compulsões. Entre elas os desejos de poder, de acúmulo, de consumo, associados à busca de prazer imediato, que acabam dando um alívio transitório à angústia, apesar de alienar e manter as pessoas mais aprisionadas às rodas viciosas fazendo as pessoas irem ao Shopping comprarem o que não precisam, com dinheiro que ainda não possuem, para impressionar quem não conhecem, com a intenção serem ou e parecerem com o que não são. Porque, na atual cultura polifóbica vivemos o tempo todo estimulados para o consumo. Estar consumindo é quase sinônimo de estar pertencente ao contexto social. Além disso, estar devendo é um bom mecanismo de alienação, ou seja, de fazer com que as pessoas entrem numa roda produtiva e de consumo do desnecessário sem pensarem no sentido e no significado da vida. Com isso, temporariamente elas ficam livres da presença consciente da angústia existencial, infelizmente ou felizmente, até que um sintoma físico e ou psíquico apareça.

Todo indivíduo que conseguir sair das rodas, além de transgredir o sistema, poderá repensar o sentido e o significado da sua existência, enfrentando o medo, aliviando sua angústia existencial, diminuindo seu consumo, reaproveitando e reciclando tudo o que for possível. Atividades absolutamente necessárias para que o futuro da humanidade seja viável, apesar de deixar todas as atuais estruturas capitalistas absolutamente assustadas, pois todo planejamento delas está calcado no crescimento continuado. De qualquer modo, com ou sem sofrimento, acredito que a civilização irá encontrar um novo modelo que redistribuirá a riqueza de forma igual e includente, restaurando tanto a cura quanto sacralização e o encantamento do mundo. Ressaltando que cura é sinônimo de integridade e de consistência, ou seja, entusiasmo, sentido e significado existencial.

Infelizmente, a grande massa humana está em estado de anestesia, inconscientes de si mesmas e presas nas engrenagens alienantes do sistema capitalista de consumo utilitarista. Essas são as razões te tanta apatia e solidão. Não é fácil sair da “matrix“, pois o autoconhecimento não é um caminho livre, leve e fácil. Ele exige dedicação, esforço, consciência, consistência e diligência. Para a maioria silenciosa das pessoas acaba sendo mais fácil ficarem na inconsciência apática de si mesmas, contentando-se ocasionalmente com alguns momentos de alegria ou de ilusão, que possibilitam a sensação de estarem vivas.

Por isso nossa cultura tem tanta necessidade de atividades produtoras de adrenalina, presentes nas situações de dependências, abusos e compulsões. Manifestadas no consumo patológico, nos transtornos alimentares, nas farmacodependências, drogadicções e alcoolismo, nas atividades perigosas e aventureiras, como saltar de bang-jump, nos jogos de azar e em todos os excessos que vão desde o trabalho até o sexo. Essas são as razões de tanto uso de antidepressivos e outras medicações psiquiátricas para ajudar as pessoas a se concentrarem, dormirem, serem menos impulsivas e mais confiantes.

Então, para as pessoas que ainda não foram acometidas por algum tipo de sintoma: físico, emocional, psíquico, familiar, profissional, social ou espiritual, e não tem consciência do seu estado de dormência apática e de aprisionamento em uma das duas rodas, resta-nos apenas aguardar. Pois o chamado, mais cedo ou mais tarde acaba surgindo e, a meu ver, a maior missão de quem já conseguiu um pouco do autoconhecimento é o de promover e divulgar esse caminho para as demais pessoas. Enquanto isso, elas continuarão consumindo, inclusive os livros de auto-ajuda

Creio que, para revertermos essa situação, a primeira coisa a se fazer é o caminho da interioridade, acompanhado das reflexões existenciais em busca de sentido e de significado para a vida. Esse caminho não é tão fácil assim, ele requer perseverança, diligencia, silêncio e quietude. As pessoas, por estarem acostumadas com a tagarelice dos negócios cotidianos, ficam muito incomodadas com esse caminho do autoconhecimento, pejorativamente chamando-o de ócio. E, por isso mesmo, negam-no veementemente transformando a própria vida em um contínuo negócio – negação do ócio. A conseqüência disso é o aumento do medo, da insegurança e da “roda” viciosa do acúmulo, da dívida ou do ganho. Mesmo tendo o conhecimento de que a criatividade está no ócio, muitas pessoas acabam fugindo da descoberta desse potencial imanente fanatizando-se em religiões ou rituais, caminho tão alienante quanto o dos cientistas que ficam obtusos e iludidos no poder das especializações.

Por isso, muitas pessoas não conseguem reverter a “roda”, apesar de comprarem bacias de livros de auto-ajuda que, na maioria das vezes, ajudam apenas a seus editores e autores, porque o caminho do autoconhecimento, apesar de solitário, geralmente requer a ajuda de um mestre. Então, quem busca o autoconhecimento precisa da ajuda de pessoas sábias, que já conquistaram esse autoconhecimento. E quem é esse sábio mestre? Geralmente é aquela pessoa que, apesar das dificuldades inerentes à vida, demonstra felicidade, entusiasmo e prazer em servir ao próximo com seus talentos. Pode ser um guia espiritual, um analista, ou alguma pessoa em que podemos estabelecer uma relação empática, sincera e de confiança, para questionarmos o sentido e o significado da nossa existência, na busca de servir nossos talentos aos próximos e ao mundo, saindo da “roda” viciosa para a virtuosa.

Neste sentido, acredito que a educação deveria estar muito mais voltada para o autoconhecimento, possibilitando a reflexão de que estar adaptado em um contexto doente não é saudável. Desta forma, infelizmente, muitos jovens acabam manifestando sintomas ou distúrbios de atenção, dependências, abusos, compulsões ou hiperatividades, muitas vezes por não conseguirem ficar ajustados em nosso contexto social patológico, competitivo e individualista.

É importante deixar claro que a realização do mais alto fim existencial não é tão fácil de ser reconhecida e, mesmo quando a pessoa encontra seu sentido vocacional de servidão, na maioria das vezes o meio não é muito favorável. Ou seja, equivale a um caminho iniciático que sempre vai exigir do adepto o equivalente à jornada do herói. Lembrando que o herói é aquele que, na maioria das vezes, sacrifica-se para atender a demanda da maioria, imbuído da assepsia literal do sacro-ofício. Também é expressivo elucidarmos que ninguém transforma ninguém, mas que ninguém se transforma sozinho e é nesse sentido que se faz necessário um encontro amoroso de transformação. Porque o amor verdadeiro, por não querer transformar os outros transforma, por dar liberdade e alegria, condições criativas para que as demandas evolutivas de cada indivíduo possam acontecer.

* WALDEMAR MAGALDI FILHO (www.waldemarmagaldi.com). Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: “Dinheiro, Saúde e Sagrado”, coordenador dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Psicossomática, DAC – Dependências, abusos e compulsões, Arteterapia e Expressões Criativas e Formação Transdisciplinar em Educação e Saúde Espiritual do IJEP em parceria com a FACIS. wmagaldi@gmail.com


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