A MONTANHA DOS ADEPTOS

20 de março de 2018

O ego, que se forma a partir da ativação do complexo de diferenciação da consciência, é um arquétipo muito identificado com o corpo e com a persona – que é o conjunto de personagens usadas nas várias relações da vida. Por isso, Jung afirma que o ego é uma espécie de gestor da consciência que, apesar de não representar a sua totalidade, ele está no centro e na periferia dela. No seu contraponto, o inconsciente, também existe um arquétipo gestor que é a sombra, e como ela transita livremente no inconsciente, é por meio dela que podemos adquirir consciência da existência da nossa alma – a psique; dos nossos contrapontos sexuais – anima ou animus, dependendo da estrutura corporal de gênero de cada indivíduo; do self – que é o arquétipo central e que pode nos remeter ao si – mesmo, ou Self – a totalidade; além de todo conteúdo reprimido acumulado desde a nossa concepção, que é o nosso inconsciente pessoal, e de toda história evolutiva da vida senciente, incluindo a da humanidade, presente no inconsciente coletivo.

Por isso, quem não está rendido conscientemente ao processo de individuação, geralmente por estar tomado por algum complexo, que sempre é formado por núcleos afetivos, necessita começar a perceber sua sombra, para poder diligentemente se entregar para seu caminho de integração/individuação, adquirindo sentido e significado existencial. Porém, como nosso ego consciência, identificado com o corpo e com a persona, geralmente fica paralisado tanto nas queixas e temáticas repetitivas, quanto nas demandas mais arcaicas e instintivas do sobreviver, crescer e perpetuar – fome, segurança e sexo; não conseguimos perceber e nos orientar por meio do nosso processo de individuação que, geralmente, se manifesta nos sonhos, nos eventos de sincronicidade e até nos sintomas – que são feridas por onde atravessam os deuses e toda potencialidade existencial.

Nossa consciência não tem capacidade infinita, apenas o inconsciente que tem! Seu espaço é minúsculo, precioso e valioso. Por isso, é crucial decidirmos o que manter dentro dela e o que jogar fora. Porém, apesar de não precisarmos ficar paralisados nas dores do passado, nem das injustiças que aconteceram conosco, ou das coisas que nos causaram tristeza, devido à existência dos complexos, não é fácil nos libertarmos do automatismo causado por eles. Então, precisamos aprender com as lições do passado, mas não devemos ficar com elas no presente, dando espaço para a dor e para um contínuo sofrimento. Porém, só por meio de um processo de autoconhecimento é que poderemos superar as queixas e os sintomas físicos ou relacionais. Porque os complexos nos mantêm nas lembranças afetivas do passado, são autônomos e acabam dominando nossa mente, nos mantendo no auto-engano e na repetição do automatismo alienante.

Toda nossa existência, desde a concepção, está pautada pelos afetos. Tudo aquilo que direta ou indiretamente, física ou energeticamente, consciente ou inconscientemente nos atinge e produz mudanças, que vão do físico ao espiritual, passando pelo psíquico, familiar, profissional e social, podemos chamar de afetos. Muitos afetos são percebidos pela nossa consciência, atingindo uma ou mais das quatro funções psíquicas estudadas na psicologia junguiana. Porém, mesmo quando eles surgem subliminarmente, ficando imperceptíveis para nossa mente consciente, eles produzem efeitos no nosso pensamento, sentimento, intuição ou sensação, podendo despertar emoções e, conseqüentemente, os complexos. Sendo que, em muitas vezes, surgem desejos regressivos, advindos das experiências de segurança primordial vivenciados nos estágios pré egóicos da relação mãe-bebê. Lembrando que nos primeiros seis meses de vida, também vivenciamos a experiência da solidão primordial.

Além disso, devido ao processo associativo que nossa psique opera e toda a formação de rede existente em nosso cérebro, um afeto pode surgir de um modo, com intensidade e forma específica, e acabar desencadeando mudanças no ser total. Ou seja, devido à rede associativa, um cheiro ou uma música, podem despertar mudanças bioquímicas que interferem no nosso pensamento, sentimento, intuição ou na percepção. Mudanças completamente injustificáveis para quem está de fora, como mero observador. Por isso os complexos são autônomos, mantendo-nos reativos aos afetos, sempre num padrão de emoções repetitivas que, devido à reprodução constante, acabam nos deixando dependentes até das suas bioquímicas correspondentes. Só por meio do autoconhecimento é que poderemos sair desse padrão. Porém, esse processo não segue um caminho linear e sua manifestação acontece em saltos, geralmente de forma descontínua e assimétrica, do ponto de vista do mundo manifesto. Mas, para o Self, ele tem continuidade.

Então, para que o autoconhecimento aconteça, precisamos fomentar crises, situações de desarranjo e desconstrução do automatismo. Sendo que, na minha experiência junguiana, os conteúdos metafóricos, os símbolos, imaginações, sonhos e fantasias são grandes ferramentas para a ampliação da consciência. Como na metáfora alquímica que passo a descrever, por meio da alegoria da gravura da montanha dos adeptos, onde a pedra bruta, geralmente cinzenta e carregada de sofrimentos e dores, por estar queimando por dentro, devido a autonomia dos complexos e a existências de mágoas e ressentimos, para poder seguir seu caminho de lapidação evolutiva deve se submeter ao fogo exterior. O fogo que irá eliminar a água, os sentimentos corrosivos, que dará a pedra a capacidade de ficar menos suscetível aos afetos e suas respectivas emoções. Esse processo é contínuo e principia pelo confronto consciente proposto pela fórmula alquímica denominada V.I.T.R.I.O.L.

Vitriol é uma palavra advinda do latim, e é formada pela fórmula iniciática que sintetiza a doutrina alquimista: “Visita Interiorem Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem” e quer dizer: “visite o seu interior para encontrar sua pedra oculta”. Com isso podemos deixar de ser pedras brutas. Porque, devido a contínua lapidação do autoconhecimento e do domínio da máquina, vamos ficando mais cristalinos até atingirmos o diamante original – que é a nossa essência! Ou seja, devemos entrar em contato com a prima matéria, retificando-a por meio de várias passagens, ritos e conhecimentos até alcançarmos a tintura mãe!

O autoconhecimento após o confronto da calcinação permite que o ar espalhe o o material seco, desembocando na sublimação alquímica, que é a melhor maneira para diminuir os efeitos cáusticos e emotivos dos afetos que provocam sensações, sentimentos, pensamentos e intuições dramáticas e traumáticas e que ocupam nosso ego/consciência na forma de complexos, que estão na raiz das doenças produtoras de todos os tipos e formas de sintomas. A sublimação produz a ampliação da nossa consciência, dando razão para nossa história, vivencias e emoções, ajudando na superação da calcinação. Por meio da sublimação poderemos adquirir entendimentos mais amplos sobre as ocorrências da vida. Só depois de arejarmos a terra, o calcário cristalizado, é que poderemos regá-la com nossos sentimentos, a água da diluição ou até solução das queixas. Porque, antes da sublimação a cal estava viva e com água ela calcinava produzindo mais queimação e dor.

Depois do ar e da água, sublimacio e solucio alquímicos, é que vão surgir os insights, o calor das intuições criativas que produzirá a germinação ou putrefação das sementes, fermentando possibilidades férteis para o crescimento e superação da queixa paralisante e cáustica. Neste momento é que revolvemos os conteúdos dramáticos e ou traumáticos para diminuir a sensibilidade e atribuir novos significados.

A partir desta etapa, poderemos preencher nossa consciência com coisas boas, fazendo a escolha, a separação, destilação das emoções, para ficarmos mais leves, mais felizes, mais focados. Daí vem a necessidade de atitudes concretas serem tomadas, coagulando, curando, dando consistência e colorido à tintura da vida, que é a nossa verdadeira essência. Todas essas sete etapas alquímicas, acima descritas, estão representadas na gravura da montanha dos adeptos que está abaixo:

* WALDEMAR MAGALDI FILHO (www.waldemarmagaldi.com). Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: “Dinheiro, Saúde e Sagrado”, coordenador dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Psicossomática, DAC – Dependências, abusos e compulsões, Arteterapia e Expressões Criativas e Formação Transdisciplinar em Educação e Saúde Espiritual do IJEP em parceria com a FACIS. wmagaldi@gmail.com

 


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