A ÉTICA DA CIÊNCIA E A DEPENDÊNCIA DE PSICOTRÓPICOS

20 de março de 2018

Será que a ciência, na sua forma reducionista, materialista e causal, que acredita poder controlar todas as variáveis dos experimentos, pode ser ética?

A todo instante estamos nos deparando com as conseqüências nefastas do avanço científico e tecnológico e, mesmo assim, muitos cientistas continuam acreditando poder controlar a natureza e obrigá-la a se submeter às suas vontades. Obviamente, a natureza reage e a conseqüência, como se constata cotidianamente, nos deixa a mercê das catástrofes e do risco de um desfecho trágico extinguindo a espécie humana.

O interessante é que a ciência, por auto-ilusão ou com intenção de iludir, cria comitês de ética e colegiados para aprovar suas descobertas que aviltam a natureza, obviamente para fingir ser uma produção ética e garantir mais lucro, acúmulo e poder à minoria capitalista dominante!

Com isso, a ciência pôde assegurar que as mais de 50 usinas nucleares do Japão, numa ilha vulcânica entre falhas geológicas, são 100% seguras, assim como afirma ser garantido as manipulações genéticas de plantas e animais e a extração indiscriminada do petróleo, que conspurca nossa ancestralidade biológica, plastifica tudo e todos e cria enormes buracos na nossa litosfera, gerando poluição e o aquecimento global!

O mais interessante é que a ciência, ao se aproximar destas idéias, imediatamente irá rotular psicopatologicamente este texto afirmando cientificamente que se trata de uma produção feita por um indivíduo fanático, romântico, com pensamentos mágicos, retrógrado e que nega a evolução, e que necessita de medicamentos psicotrópicos imediatamente, pois não está adaptado aos padrões de normalidade aceitos pela ciência. Aliás, esse é o padrão! Se o indivíduo está com mal-estar ou produz mal-estar no seu entorno ele tem que ser enquadrado em algum diagnóstico e ser tratado para continuar normótico e, de preferência, continuar adaptado, consumindo o inútil, e acumulando materialidade.

Na realidade, é graças a esses psicotrópicos que a ética está deixando de imperar na ciência e no mundo, porque essas substâncias possibilitam que as pessoas consigam dormir “tranqüilas”, livrando-se da angústia, sentindo prazer, alegria ou simplesmente mantendo a capacidade de continuar na roda da dívida, trabalho e consumo, mesmo estando com insônia, mal-estar e falta de sentido existencial, porque suas consciências estão pesadas ao afirmarem que existe certeza e segurança ou em se conformarem aceitando o fato de que a vida é assim mesmo! Esse padrão, infelizmente, é a rotina da nossa atual empresa da saúde. Ou seja, toda vez que sintomas como medo, pânico, depressão, insônia, transtornos alimentares, hiperatividade, déficit de atenção, vícios, dependências, abusos ou compulsões surgem, ao invés de estimular o doente para o autoconhecimento em busca do que está gerando o sintoma, a medicina da sociedade de consumo opta em aliviar os sintomas imediatamente com anestesia, analgesia e toda infinidade de psicotrópicos, mantendo-o na roda do consumo, apesar de alienado e infeliz, convencendo-o de que o que da sentido à vida são os raros episódios de alegria e prazer!

É importante esclarecermos que psicotrópico é qualquer substancia capaz de alterar a mente, agindo no cérebro, modificando suas reações psicológicas. Que ética é a resultante de um processo psíquico interno, advindo do embate entre o eu e o inconsciente, ou seja, do ego com seus apegos corporais e materiais com o Self, que está em busca do processo de individuação, por meio da realização existencial do servir com sentido e significado.  E que moral é um conjunto de regras e normas criadas racionalmente para atender as demandas adaptativas do ego, imposta pelo Estado e que muitas vezes pode deixar de lado as dimensões anímicos espirituais e, conseqüentemente, a ética.

Por isso, na atual sociedade de consumo, tanto as religiões exotéricas (que vê Deus fora), que é a maioria delas, quanto a ciência, tornaram-se instituições moralistas que impossibilitam o surgimento da ética. Onde seus dirigentes, incluindo os políticos, passaram a suportar ou negar esse conflito ético, que está na base de toda neurose, por meio do consumo de substancias psicotrópicas e crenças fundamentalistas ou mágicas. Assim, a angustia fica reprimida e o indivíduo alienado e anestesiado passa a aviltar sua natureza interna e externa, iludido e iludindo com a crença de que tudo está sob controle e que a ciência e ou o Deus mágico vai dar conta de qualquer crise! Mas, na realidade o que acaba predominando é a dependência química dos psicotrópicos ou das religiões imbecilizantes.

Nessa dinâmica, a natureza, interna ou externa, vai sendo agredida! Mas, toda vez que algo tenta contrariar a natureza ela reage na forma de sintomas ou de catástrofes, como vem acontecendo atualmente. Por isso vemos o aumento assustador das crises, associadas ao consumo de medicamentos ou drogas e o avanço de crenças fanáticas e unilaterais tanto nas religiões quanto no abuso tecnológico e científico destruindo o planeta.

A verdadeira ética depende da consciência limpa, da boa noite de sono, da alegria e motivação para servir e da disposição para o exercício da alteridade, onde podemos nos ver por meio dos outros. Mas, para isso, é preciso a capacidade de enfrentamento consciente dos episódios de mal-estar, insônia, angústia improdutiva, ansiedade, medo, culpa, ressentimento ou depressão por meio do autoconhecimento, em busca dos porquês da infelicidade. Até compreendermos o que estamos fazendo ou deixando de fazer que gera esse mal-estar. Ou seja, que estamos sendo antiéticos e que não podemos continuar nos escondendo de nós mesmos, da centelha divina que existe no íntimo de cada um e que é absolutamente ética!

Por tudo isso, é necessário repensarmos o uso e o abuso das substancias psicotrópicas, como tabaco, álcool, maconha, êxtase, LSD, ansiolíticos, soníferos, antidepressivos, estimulantes, anorexígenos, estabilizantes de humor, entre outras químicas abusivas que só servem para aliviar o mal-estar, contribuindo para que a ética fique cada vez mais ausente do cotidiano das pessoas! Então, apesar de saber que meus colegas psicofarmacologistas (esse deveria ser o real nome dos psiquiatras) poderem me odiar por essas afirmações e me enquadrarem em algum psicodiagnóstico patologizante, obviamente com recomendação quimiátrica, conclamo todos eles a repensarem seus códigos reducionistas e rotuladores de doenças mentais, não se esquecendo da máxima de Hipócrates que é a base da Homeopatia, que afirma que o que te fere é o que te cura e, por isso mesmo, semelhante é que cura semelhante.

Quem sabe, com essa nova atitude de quebra dos atuais paradigmas desta ciência contemporânea que destitui a natureza dela mesma e do humano, os profissionais de saúde busquem conscientemente, junto com seus enfermos, o que está atravessando suas vidas para compreender o mal-estar do homem contemporâneo. Perguntando a si mesmos e aos outros: qual crença? Qual pensamento? Qual atitude de fazer ou de não fazer? Qual sentimento? Qual o sentido e o significado da sua existência? Só assim poderemos voltar a ter paz e bem, ou seja, o resgate da ética, como apregoava São Francisco de Assis. Neste sentido é que, eticamente, faz-se necessário repensar o uso e o abuso das substancias psicotrópicas, para resgatarmos um mundo mais natural, ético e digno! Porque quando as pessoas conseguirem ficar de “cara limpa”, sem nenhuma interferencia de substâncica psicoativa, lícitas ou ilícitas, reconhecerão que estão com a alma suja e, a partir daí, poderá acontecer a tranformação positiva de suas crenças, pensamentos e atitudes.

PAZ e BEM

Waldemar Magaldi Filho, Psicólogo, analista junguiano, mestre e doutor em ciências da religião, professor e coordenador dos cursos de pós-graduação, lato-sensu, que titulam e formam especialistas em Psicologia Junguiana, Psicossomática, DAC e Arteterapia do IJEP – Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa – www.ijep.com.br


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