PENSAR PSICOSSOMATICAMENTE

11 de abril de 2018

Pensar psicossomaticamente é pensar em aspectos maiores e mais abrangentes. Não adianta trabalhar a queixa se não se consegue simbolizá-la por meio da leitura simbólica, desvendando o que está por trás dela. A grande falácia que a medicina está vivendo, talvez seja achar que tirando o sintoma, garante-se a qualidade de vida.
Os psicólogos parecem ter uma frustração médica e por isto querem saber como funcionam os rins, o fígado, etc. Isso não é psicossomática.
Dentre os remédios mais vendidos atualmente, em sexto lugar está o Diane 35, que é um anti-andrógeno. Tomando este medicamento as mulheres perdem peso, porque tiram os hormônios masculinos, e com menos anabolismo, ganham menos massa muscular e os pelos do rosto caem. Usam remédio para não perder a feminilidade.
Os homens, por sua vez, precisam de um remédio para se sentirem capazes de bancar a própria virilidade, pois são inseguros com relação a isto.
Esta é uma constatação triste, porque as mulheres estão se bandeando para uma atitude muito masculina e os homens, por outro lado, tendo que lidar com mulheres tão masculinas, tem que se afirmar. Isso é sintomático. Um mundo que se desfeminiliza é um mundo que produz muitos sintomas. Este é um mundo capitalista, onde se tenta obter o máximo de lucro possível, armazenar grandes riquezas. O lucro abusivo implica em prejuízo para outros, implica em exclusão e desordem. É então que se dá o retorno do recalcado, do excluído, como sintoma social – a favela, e sintoma orgânico – uma epidemia.
O que é o paraíso? Ter prontamente o desejo realizado é o paraíso? Não. Para se ter o paraíso é preciso perder o ego. Sendo capitalistas, como desapegar, se o cérebro está condicionado a um padrão capitalista, no qual não se faz nada que não esteja implícito ou explícito o ganho, o lucro? Só uma pessoa idiota faz alguma coisa sem lucro. Até os santos faziam as coisas por lucro, porque queriam o paraíso, a vida eterna, a salvação.
O que o indivíduo poderia mudar para reverter o inferno em paraíso? Pensar diferente. A maior parte das pessoas que conseguiu grande fortuna, diz que o caminhar é muito mais interessante do que chegar, ou seja, a troca do dia a dia é muito mais interessante. Não adianta o indivíduo estar num lugar onde tem tudo que deseja, se não se sentir co-autor da produção do desejo. A co-autoria nos faz atingir a condição unitiva. Ou eu me percebo um com a divindade, co-autor, ou eu fico no inferno achando que estou no paraíso. Acreditar que a criança veio do paraíso, incentiva as pessoas a usarem droga, ou ficarem regredidas em busca de um passado melancólico, saudosista.
Não pode existir paraíso numa situação em que se é atendido sem ser co-participante do próprio atendimento, da própria assistência. A co-autoria implica em consciência da realidade, sair do “paraíso” para o inferno consciente. Esse é o grande desapego.
Dentro dessa visão capitalista existe a busca de alguns conhecimentos. Ivan Irich, diz que a indústria médica só pesquisa remédios que não curam, porque quer consumidores dependentes. Ela pregou a eutanásia quando a pessoa não tem mais recurso para manter o sistema econômico. Esse capitalismo existe como sistema patriarcado violento, que fez o mundo perder a feminilidade; a mulher se desfeminilizando, o homem se sentido ameaçado na sua masculinidade, o que provoca um consumo exagerado de viagra e similares, e de Diane35 e similares.
Devemos repensar algumas questões, por exemplo, esse capitalismo tem um ícone simbólico: Jorge Sourus, Bill Gates, Donald Trump, ou Tio Patinhas, tanto faz.
Quem é o Tio Patinhas? É o ideal do capitalista. Segundo Max Weber, é o tipo ideal: Tio Patinhas é rico, tem lucro em todas as empreitadas, acumula riqueza cada vez mais, e adora aquela riqueza toda. Essa é a persona. Psicodinamicamente, se existe uma figura exponencial aceita, deve-se ter o contraponto dessa figura, como sombra. Quem é a sombra do Tio Patinhas? É o que garante a sua existência. Todas as histórias exigem uma polaridade, assim como a vida também é polar na relação entre o manifesto e o imanifesto, entre o consciente e o inconsciente. Se a persona coletiva aceita o Patinhas como grande capitalista, o oposto do Patinhas são os irmãos Metralha. Toda a história gira em torno dessa tensão de opostos – um garante a existência do outro. Essa é a idéia do sintoma. O Patinhas vive preso na sua caixa forte, os Metralhas vivem presos na cadeia pública e ficam o tempo todo articulando possibilidades de roubar o Patinhas. Patinhas tenta se defender e ter mais dinheiro, mas ambos ficam presos. Quando os Metralhas saem da prisão, o Patinhas sai da Prisão e então se encontram. Este encontro gera lucro, mais fortuna para o Patinhas e mais experiência para os Metralhas. Ambos querem a mesma coisa, são totalmente aderidos ao sistema capitalista. Somente um detalhe os diferencia: um assume o papel da persona, ou seja, aquilo que a sociedade instituiu como lícito (a sociedade, por definição, entende que a forma com que o Patinhas adquire a riqueza dele é legal) e o ilícito, que é a forma com que os Metralhas querem adquirir a riqueza. Do ponto de vista ético, os Metralhas não são melhores que o Patinhas? O milionário Patinhas tira da maioria pobre, e os Metralhas tiram da minoria rica; por definição são iguais: um é totalmente egoísta e o outro totalmente altruísta às avessas.
Walt Disney era fascinado pelo capitalismo. Foi pobre, comia junto com os ratos, e daí vem o Mickey Mouse protestante, ligado à dinâmica capitalista. Disney aderiu ao Mcartismo, denunciou muita gente, e ficou milionário de uma hora para outra. Obviamente ele tem uma identificação com o Patinhas, que denunciou o que a sociedade acha ilícito, os “Metralhas”. A receita de sucesso de Disney é ter uma idéia genial, perseguir perseverantemente essa idéia, até que ela seja plasmada. Como? O sucesso de um indivíduo no capitalismo tem uma tríade basal, três pilares: trabalho perseverante e obstinado, criatividade ousada e sorte.
Na nossa empreitada psicossomatista vamos usar a mesma fórmula para atingir o objetivo: quebrar os padrões do mercado que prefere dar medicamentos, aliviar de imediato.
O pensamento de Walt Disney tem tudo a ver com essa posição triangular: trabalho obstinado, criatividade ousada, e sorte. A sorte é o plasmar, aquilo que Jung chamaria de sincronicidade. Se estou trabalhando um tema, como por exemplo, a questão do dinheiro, eu fico entusiasmado – EM THEOS – eu vibro, eu transbordo isso, eu transpiro isso. Então o que acontece? Cria-se um campo energético e eu passo o entusiasmo para quem me ouve, eu sensibilizo as pessoas. As pessoas passam a pensar no assunto ao qual estou me dedicando e, qualquer coisa interessante que venha a surgir sobre esse tema faz essas se conectarem comigo, mandarem e-mail, telefonarem, e mais idéias vão surgindo. Por isso eu penso que sou uma pessoa de sorte, as coisas foram “aparecendo” na minha frente. Isso não é sorte, isso é o campo, é a dinâmica, porque tem THEOS (EM THEOS, em Deus = entusiasmado). Se estou entusiasmado, consigo mobilizar os outros e estes me retribuem direta e indiretamente, consciente e inconscientemente.
O personagem Tio Patinhas possui esses três aspectos: trabalha, é ousado e criativo e tem sorte. Só que sua sorte não é a relação com o sagrado e sim, estabelecida através de um amuleto, de um patuá, um mito que ele criou: a moeda número 1, a moeda da sorte. Essa moeda é cobiçada por quem trabalhava no campo da magia, a Maga Patalógica, que quer roubar a moeda e medir forças no campo da magia, do sagrado, do inconsciente. Mas o Patinhas sabe que se perder a moeda ele perde toda a fortuna, porque ele perde a relação com o sagrado por meio da moeda mas também trabalha, é criativo, e por isto ficou milionário (a sorte).
Outra analogia a esse tema é o inferno de Cérbero, o cão de três cabeças, um ser mágico e único, que guarda o portal do inferno, mantendo os de fora do lado de fora, e os de dentro do lado de dentro. Ele não tem nenhuma tendência, e só ataca aqueles que quiserem atravessar o portal sem permissão. Quando percebe que vai perder a batalha ele recua e deixa o oponente passar. As três cabeças representam a dúvida, o tédio e a dor.
Será que não estamos no inferno, com os três Metralhas, gerando dúvida, tédio e dor, e o Patinhas, com toda aquela fortuna, também vivendo dúvida, tédio e dor, simbolizadas pelos três sobrinhos, cada um representando uma das qualidades do sucesso: trabalho, criatividade e sorte. Isto demonstra que qualquer uma das qualidades, isoladamente, por mais diferenciada que esteja, não é suficiente para o sucesso.
O Pato Donald é trabalho, sorte ou criatividade? Muito trabalho. É o mais coitado de todos, trabalha muito, não é valorizado, é descuidado. O Tio Patinhas o trata como filho, mas ele não é nem herdeiro, trabalha como pai, e não é pai daquelas crianças, é tratado como marido da Margarida e também não é marido dela. Ele está sempre mal, reclamando, triste, mal humorado, porque só trabalha, e somente com o trabalho não se resolve nada. É preciso ter criatividade ousadia e sorte. Este é o Gastão. Só sorte, plasmada num pé de coelho, num amuleto. Não é conexão com o sagrado, mas não importa. Enquanto ele está com aquele pé de coelho, ele tem a certeza que o universo conspira a seu favor, porque atribui tudo à sorte.. É a sincronicidade . O problema é que, se temos uma capacidade crítica, não conseguimos dar esse poder a um pé de coelho (se conseguisse seria bom!). O Gastão tem sorte mas não igual ao Tio Patinhas.
E o Peninha? O criativo ousado, destrambelhado, descabelado, mas que também é só criativo ousado, também não se assemelha ao tio Patinhas, no aspecto sorte. Se houvesse uma empresa formada pelos três personagens, eles desbancariam o Patinhas, porque juntos têm a chave de sucesso do capitalismo. Porém o mito é tão perverso, que no imaginário cultural, cada um dos sobrinhos do Donald, Huguinho, Zezinho e Luizinho, possui um desses aspectos do capitalismo, mas todos seguem o manual do escoteiro, para não correrem o risco de se bandearem para o outro lado.
E quem é o Pardal? É o conhecimento científico e tecnológico. Ele sabe usar o conhecimento científico e tecnológico para produzir engenhocas, mas não tem o capital. Precisa de um capitalista para subsidiar a pesquisa, para fazer os engenhos e dar mais lucro ao capitalista; ele fica cada vez mais nas mãos do capitalista e continua pobre.
Karl Marx fala de um comunismo que é capitalismo. Ele fala da mais valia e do capital como processo de benefício. Hoje vivemos só o capitalismo. A globalização introduziu o capitalismo no mundo todo, oriente e ocidente. Não existe mais lugar do planeta que não esteja aderente ao sistema capitalista.
Assim, se estou inserido nesse sistema, não adianta ir contra ele, porque se for, eu vou virar Metralha e ficar na cadeia pública. Ao invés de ir contra ele, devo aprender a me inserir nele e aos poucos ir passando novos conceitos, novas idéias, novas possibilidades de fazer com que a humanidade retenha esse próprio processo de evolução.
Fizemos uma análise desconstrutiva de uma história em quadrinhos e, aprofundando, pensando, refletindo, consegue-se tirar informações que não havíamos pensado antes.
Estamos vivendo na sociedade da informação, com montanhas de dados circulando a cada segundo, em todo lugar. Nem se consegue imaginar neste exato momento quanto conhecimento está sendo produzido e transmitido para o mundo inteiro! Nem imaginar, nem absorver. As pessoas estão ávidas por informação e parece ser muito dolorido ficar uma hora discutindo uma figura, por exemplo. Tudo deve ser muito rápido, “just in time”, tudo agora, de imediato. Essa sociedade da informação perdeu a capacidade de conhecimento. Segundo Menheim, informação não é conhecimento. Conhecimento é reflexão, é entendimento, é algo que abrange os seis aspectos: físico, afetivo, espiritual, familiar, profissional e social. Não se quer parar para pensar, refletir pois “isso é bobagem, é filosofia”.
Não se trata a doença, trata-se o doente, o ser humano. A mesma bronquite para cada indivíduo tem um sentido. Deve-se refletir sobre isso, que é o grande desafio do curso de psicossomática. E é talvez por isso mesmo que os psicólogos, médicos frustrados, muitas vezes querem buscar o conhecimento médico achando que isso é que é importante.
Quando se atende um cliente com leucemia, o que interessa saber de que modo acontece a sua leucemia, a bioquímica, a hemodinamica? Nada. O que interessa é trabalhar com ele o sentimento, o que esse sintoma trouxe de novo. Saber o que mudou, transformou ou aprofundou, e qual o sentido disso. A relação é muito mais importante do que ficar descrevendo bioquímica.
Os autores Edgard Mohan, Maturama e Varela trabalham vários temas e um deles é a idéia de autopoiese, em que tudo está ligado a tudo, e tudo se transforma em tudo porque está num grande campo. Mohan fala ainda da existência de três crises sociais que aconteceram dos anos 60 para cá:
a primeira é a crise do feminino: a queda do patriarcado, na qual a mulher está deixando cada vez mais de ser explorada predatoriamente pelo homem, porém, está se desfeminilizando; o homem, ameaçado com a desfeminilização da mulher, de forma inconsciente precisa se fortalecer.
A segunda crise surgiu nos anos 70, a crise da juventude, que perdeu suas identificações ideológicas, o seu compromisso com as culturas e tradições, deixou de confrontar o sistema em busca de um outro tipo de vida mais humanizada, porque até os anos 70 a juventude ainda era comprometida. Hoje a juventude está completamente envolvida com a cultura de massa, se preocupando com o prazer imediato e com o culto estético do corpo.
A terceira crise é a crise da informação. Na fantasia de que conhecimento é poder, ficamos tão fascinados em adquirir o conhecimento que deixamos de conhecer, passamos a ter muita informação desarticulada sem saber o que fazer com ela. No filme Gênio Indomável, o psicólogo interpretado por Robin Williams diz ao seu paciente interpretado por Matt Damon: “você pode ter um monte de informações sobre o que é o amor, mas você nunca se entregou para amar. Você pode ter um monte de informações sobre Leonardo da Vinci, mas você nunca foi à capela Cistina. Você nunca se permite viver, então você só tem informação, você não tem conhecimento. Você não tem profundidade, não tem capacidade reflexiva, porque está consumindo a informação e sendo consumido por ela, que não serve para nada”.
Esse é o indivíduo que procura o psicoterapeuta para reclamar da dor. Ele vive inserido no sistema capitalista, que só objetiva lucro, e o tempo todo calcula: eu estou perdendo esse tempo “x” para ir ao consultório eu estou pagando essa consulta, que lucro ele vai me dar? As três crises fazem parte dele.
(Referência: o autor Gilles Lipovetsky é hoje considerado o melhor filósofo da pós-modernidade, é um especialista em pós-modernismo. Seu livro mais famoso é A Era do Vazio e o livro mais interessante é A Terceira Mulher, em que ele fala do feminino.)

Pergunta: Há como inserir a maconha no contexto do jovem que já foi drogadito? Uma pesquisa diz que o grande consumo de viagra é feito por jovens entre 16 e 25 anos que são consumidores de maconha e começaram a ter impotência sexual.
A maconha dá alienação e um dos seus problemas é a amotivação – é uma droga amotivacional, tira a motivação do indivíduo para fazer as coisas.
Como eu acredito num processo transformador, evolutivo, e que existe um sentido maior por trás de tudo isso, eu pego carona com Lipovetsky, que diz uma coisa interessante em “A Era do Vazio”: o homem hoje, por conta disso tudo, tem uma percepção enorme do vazio. Num primeiro momento o encanto tecnológico deu ao homem uma percepção narcísica sem precedentes (anos 70 e 80). Agora no ano 2000 os narcisos de 80 que estão no poder, se descobrem, barrigudos, de cabelos brancos, enrugados e não conseguiram resolver nada daquilo que tinham como fantasia resolver nos anos 70; tudo é grande maia, grande ilusão. Este indivíduo, vendo agora a morte de perto, e percebendo a finitude, começa a se tornar fóbico. Começa a ter medo.
Hoje nós vivemos numa sociedade polifóbica, que tem medo de tudo: do vizinho, do semáforo, do remédio, da comida contagiada, de perder o emprego; do vazio para a tecnologia, da tecnologia para a polifobia. Essa polifobia deu origem ao “movimento ISO” – ISO2001, ISO9004 e, paralelamente, comissões de ética por todos os lados. Qualquer coisa que se faça, primeiro precisa-se consultar a comissão de ética. Numa tese, não se pode fazer uma pesquisa de campo; precisa primeiro consultar a comissão de ética, porque todo mundo está com medo do mundo. Os médicos hoje estão apavorados, porque podem ser processados. Nos EUA eles vivem uma paranóia. Qualquer procedimento deve ser filmado por dois ângulos. Tudo que a pessoa faz tem que ser feito monitorado, porque ele pode ser processado, pode ser enganado. Essa polifobia desembocou nesse excesso de ética.
Este pode ser o momento de desenvolver o potencial criativo, porque essa ética pode resgatar a quarta revolução, que é a revolução ecológica, o resgate da natureza, o respeito. Existe um processo criativo latente, existe um processo evolutivo. A revolução ecológica pode fazer com que os indivíduos comecem a perceber que existe uma complexidade interligada e como tudo está ligado ao tudo, não se tem que abrir mão do lucro, mas sim perceber que o lucro não pode estar voltado só para si mesmo, mas para o planeta, para a espécie.
Nesse panorama é que temos o cliente querendo alívio imediato da queixa. Ele é um polifóbico, tem uma mente programada para o mundo, muitas informações, vem arrogantemente questionar o terapeuta, suas informações são rasas, sem profundidade e isso pode gerar em nós um desejo de contrapor na mesma dinâmica, na mesma horizontalidade. O outro desafio do profissional de psicossomática é fazer com que esse indivíduo saia da dimensão horizontal, que fica entre o egocentrismo e o sociocentrismo, e ganhe a dimensão vertical. O egocentrismo é o narciso egoísta; o sociocentrismo é o herói altruísta. As pessoas oscilam muito e os extremos sempre se tocam. No filme Tróia, Aquiles é um grande narcísico egoísta. Seu narcisismo egoísta fez com que ele se transformasse num herói altruísta, morreu em nome de um grupo.
Campbell foi muito feliz quando perguntou – quem é o herói? O herói é o indivíduo que sacrifica a individualidade em nome da coletividade, consciente ou não. Nossa realidade deificou a matéria, o dinheiro. Na igreja católica, a mesma prensa que faz a hóstia, faz a moeda. As mesmas inscrições sagradas da moeda estão na hóstia. A ligação extrema com o dinheiro faz esquecer que existe um eixo vertical, no qual existe a transcendência, e no horizontal a imanência, que é o caos. Nessa dimensão do ego, o indivíduo está preso completamente na dimensão da mente e do corpo. Ele está preso na ordem social, tem persona e sombra, como contraponto. O Patinhas e os Metralhas, são refletidos no social.
Wilber diz: o processo evolutivo acontece da matéria para a vida, da vida para o antropos, o homem. O antropos desenvolve a mente, a mente encontra a alma e a alma atinge o espírito. O corpo está ligado ao domínio grosseiro, que é mente, instinto, ideologia, a alma ao campo sutil, e o espírito ao campo causal. Para os orientais, quando se transcende o corpo, atinge-se o nível sutil da alma, da psique, os valores. Atingindo o causal, aí está a consciência do todo, ou seja, sai do egocêntrico, vai para o sociocêntrico, para o mundicêntrico, até chegar ao holocêntrico. Na visão holocêntrica o ego tem que fazer tudo isso, porque se ele vai junto, ele fica egoísta, herói, altista e psicótico. O ego tem que estar dentro do eixo. Como lidar com a pessoa polifóbica, que objetiva o lucro, cheia de informação, querendo nos confrontar, achando que informação é importante, e nada disponível para o conhecimento de si mesmo? Esse é outro desafio. E se o terapeuta entra na falácia de querer dar informações sobre o sintoma, é só isto que o indivíduo terá ao sair do consultório – informação. Essa é a diferença entre o esperto sabido e o sábio. O esperto sabido entra em enrascadas porque confia no monte de conhecimento que ele tem. O sábio jamais entra numa enrascada, pois não precisa se expor. Porém a sociedade estimula o esperto sabido.
O profissional deve ter em mente que deve proporcionar a “morte” do seu cliente. Se não se convencer de que o paciente tem que morrer, já se sabe que não conseguirá ajudá-lo a se curar.
O hipocondríaco é o indivíduo que está polifóbico, muito voltado para o corpo, e ainda completamente fascinado com as informações médicas. O hipocondríaco sabe tudo de medicina, lê todas as bulas, discute de igual para igual com o médico. É um indivíduo preso ao corpo porque não tem valor nenhum de vida e, além de estar preso num corpo, fascinado com a informação, não sabe o que fazer com isso. Desespera-se porque todas as informações, todos os remédios e a tecnologia, não resolvem seu problema que não está no corpo, está na mente, na alma e no espírito, todos conectados com o corpo. Então primeiro é preciso trabalhar a mente, em seguida mostrar ao cliente que existe uma alma e da alma mostrar que existe um espírito, e é por isso que ele tem que morrer; morrer nesses valores. O terapeuta precisa ser ousado com relação ao paciente – no seu começo está o seu fim. Levá-lo a compreender que o começo um processo implica no fim de outro – você quer viver uma dor sem fim ou você quer viver a dor do fim? Existe a dor porque, apesar de tudo, o ego está apegado a esse constructo existencial que o levou até o consultório. Para o ego, o que vai existir é a dor do fim de uma forma de viver, mesmo que aquela forma de viver seja dolorosa, porque para o ego, por incrível que pareça, é melhor viver a dor sem fim mas conhecida, do que trabalhar a dor do fim desconhecido.
É importante mostrar ao indivíduo que se acredita e se vive nisso, pois assim abre-se a guarda para se entregar à relação. Eu acredito que essa é a forma de se libertar de muitas coisas, mas para isso deve-se morrer de um jeito para renascer de outro. A morte implica na dor do fim dessa maneira dolorosa com que a pessoa vive, para encontrar outra maneira que pode ser até mais dolorosa, mas não se sabe, pois não há garantia. A entrega é o sim incondicional. Mas como se dá esse processo? Através do “conheça-te a ti mesmo”. Nós somos os profissionais de ajuda a fazer este caminho, fazendo com que toda a manifestação sintomática, onírica ou situacional, seja refletida a título de ganhar conhecimento de si mesmo, transformando todas as informações em símbolo. Dessa forma nossa ciência e nosso trabalho efetivamente acabam se tornando mais importantes, mais elevados, mais belos, e ao mesmo tempo a arte mais difícil, porque é preciso ser artista para levar o indivíduo a se entregar ao sofrimento por meio do conhecimento de si mesmo. Talvez por isto, na França confundam-se os termos médico e sacerdote – le curateur, o curador da alma. Porém, por tudo isso que mencionamos, a alma ficou abandonada. Isto somado à grande revolução tecnológica, fez com que todos se tornassem narcisos nos anos 60. Em seguida veio a pós-modernidade, o desconstrucionismo do pós-moderno junto com a grande revolução global. Todos os autores já citados entendem os anos 60, a era do silício, do chip, a era do homem na lua, como pós-modernidade. A modernidade está calcada na ciência, e a pós-modernidade na informação.

A revolução industrial = modernidade (foco na produção);
Era pós-industrial = pós-modernidade (foco no serviço). Em São Paulo, os locais das grandes indústrias cederam lugar às faculdades, porque a prestação de serviço é o grande negócio.
A informação criou a desconstrução da ciência; a pós-modernidade é “Caetano” – tudo termina com “ou não”. O que está surgindo agora, com a revanche do sagrado, seria a pós pós-modernidade.
O psicossomatista deve juntar ciência à arte e religião, e trazer a alma de volta, porque ela foi ficando abandonada a partir desse sofrimento.
O próprio Jung participava de contato terapêutico e supervisão quinzenalmente. Até o fim da vida ele procurava Theodore Fourneau para discutir idéias, pensamentos e reflexões. Theodore Fourneau não era psicólogo ou psiquiatra, era um humanista que se identificou com a pedagogia. Jung tem uma grande crítica ao especialismo e ao reducionismo de ser só médico ou só psicólogo. Em suas obras ele sempre fala de Theodore Fourneau e o chamava de pedagogo humanista. Jung dizia que precisava ter esse contato porque acreditava que só a alma pode perceber a alma, e de acordo com a disposição da minha alma, ou seja, com a disposição interior da minha alma, é que eu vou poder perceber a natureza e tudo que está à minha volta. Assim, é necessário deixar a minha condição de equilíbrio para poder ver as coisas sem distúrbios. Jung dizia ainda que a escola, a instituição, é importante porque oferece um conteúdo didático, mas não oferece a relação com a alma. E, mais importante que a relação com o conhecimento, a informação teórica, o que importa é a prática – “Uma teoria certa nas mãos da pessoa errada, faz muito mais mal do que uma teoria errada nas mãos da pessoa certa.”
Ao escolhermos um profissional que vai ser o nosso terapeuta analista, ou ao sermos escolhidos, sabe-se que não adianta o tempo de terapia didática e nem diploma, e sim, a sensibilidade, o entusiasmo, a abertura destituída de julgamento.
Também é muito importante perceber que nossa profissão deve ser uma profissão vocacional. O nosso trabalho não pode ser por obrigação ou dever. Deve ser por devoção e, por ser devocionado, gera entusiasmo e permite acontecer esse encontro.
É nesse sentido que Jung trabalha a idéia de que, a meta de um profissional de saúde é integrar esses vários aspectos desintegrados, e ainda, pensando de forma mais abrangente, ou mais simplista, o nosso grande desafio é espiritualizar o humano e humanizar o espírito. Ele fala em humanizar o divino e divinizar o humano.
Esse processo sempre vai acontecer através do confronto. O indivíduo só vai poder entrar em contato consigo mesmo se houver um confronto. Da tensão, do confronto, surgem as diferenciações e delas vão surgir as polaridades, possibilitando a ampliação de consciência. Sem tensão das polaridades não pode existir o crescimento. O resultado da tensão é a manifestação, que por sua vez se diferencia de todo o imanifesto, que é o inconsciente. Desta forma, o novo sempre vai produzir no ser humano o sofrimento, porque o novo nos tira da zona de conforto, embora possibilite a evolução.
O mundo manifesto, ou seja, da consciência, é originado por diferenciação do imanifesto, através das divisões. O profissional de saúde enfrenta o desafio desse paradigma: contribuir para a reunião consciente das partes, que conseqüentemente possibilitará a realização do todo. Estimular a percepção e a integração das polaridades através de uma ampliação simbólica, com o intuito de estimular a integração é também estimular o que Jung chama de individuação – diferente de ficar dividido. Isto pode ser feito por vários métodos. Primeiramente, ajudar o indivíduo a aprofundar-se na queixa, dar a ele a possibilidade de entrar em contato com sua queixa, seja ela social, física, familiar, profissional, não importa. Perguntas que orientam:
– O que essa queixa produz? A partir do momento em que ela veio, o que mudou em sua vida? E na vida de quem está ao seu lado? Será que ela contribuiu em algum aspecto, seja ele qual for? Será que ela te afastou de alguma coisa? Que coisas são essas? Será que ela te aproximou de alguma coisa? Que coisas são essas?
Por meio da queixa, do sintoma, o indivíduo poderá perceber o contexto de sua vida .O sintoma fez com que ele se afastasse de uma pessoa que ele não gosta, o aproximou de alguém que ele gosta, mudou um padrão de vida que ele não gostava, levou-o a descobrir um conhecimento que não tinha, e então o sintoma deixa de ser tão perverso e começa a ser um guia, um mestre, um caminho. Um dos perigos que os profissionais de saúde enfrentam quando vão trabalhar o sintoma é declinar, ao invés de aprofundar.
Primeiro par de oposto: aprofundar é diferente de declinar. Declinar é desqualificar, desprezar, destruir; aprofundamento é uma desconstrução.
Segundo par de opostos: intensificar é diferente de expandir. A segunda atitude com relação ao conteúdo da queixa é intensificar, tornar mais exuberante, mais presente, aumentar o sintoma, levar o indivíduo a imaginar que está de fato mais doente que ele pensa (se a pessoa é hipocondríaca). Então começa a surgir o simbólico. Na expansão não se está intensificando e sim expandindo o problema para outros lugares. O I Ching fala claramente da diferença entre a intensificação e a expansão: intensificação é um crescimento consistente, e a expansão é um crescimento inconsistente. A expansão é rápida, mas oca e a intensificação é viver a “coisa”.
Caso:
Uma dentista que estava com síndrome do pânico, não conseguia lidar com a totalidade. Pan é o deus da totalidade, aparece na floresta para os incautos, para os distraídos. Paralelamente, Pan foi a divindade que ajudou Psique a encontrar Eros e se imortalizar. Pan não é bom nem ruim, só mostra a possibilidade. Para quem não quer ver a vida de uma forma mais ampla, quer vê-la de uma maneira muito reduzida, Pan forma o pânico. O indivíduo fica com medo de tudo e de todos, porque não tem capacidade de encarar os 360° da vida, porque se assim o fizer, terá que enfrentar mudanças que não quer fazer. Ele tem medo de fazer, ou seja, tem uma morte anunciada que ele não quer vivenciar.
Essa mulher tomou vários remédios e não saiu do pânico. Quando a conheci, ela sofria de muita enxaqueca (a enxaqueca está sempre ligada à temática da sexualidade). Contou a história do marido, que era vendedor e nunca podia ajudá-la financeiramente, porque dizia não ter renda fixa. Ela começou a sentir muitas dores e foi diagnosticado síndrome do túnel do carpo. Teve um acidente, quebrou as duas mãos e teve um ligamento rompido. Corria o risco de não poder trabalhar mais porém, começou a se recuperar e quando começou a ficar boa, começou a ter medo, e depois, pânico, isto é, foi saindo do grosseiro e indo para o sutil, e se continuar, vai para o espiritual.
Perguntei a ela se nunca tinha tido interesse por outro homem e onde essas doenças a levara? Ela respondeu que as doenças a levara a conhecer uma pessoa maravilhosa, que o médico lhe indicara, e hoje ela está separada daquele marido, e vivendo com o terapeuta.
Até quando o indivíduo tem que ficar negando o próprio sentido evolutivo?
Ela perguntou-me se eu estava dizendo que ela fez com que o carro batesse. Respondi que ela não, mas o self sim.
Quando se faz o indivíduo entrar em contato consigo mesmo, intensificando e não expandindo, vai-se possibilitando a ele perceber a intensidade do sintoma. Neste caso, o sintoma dela era: “pare de manter o que você tem mantido (o seu marido, pelo qual você não tem amor nenhum) e toda essa estrutura de trabalho desesperado que você tem, que te impede de viver a vida.
A expansão, neste caso, estaria, por exemplo, em vulgarizar o sintoma, dizendo “não é só você que tem isso, muitas pessoas têm…” Ao contrário, deve-se expandir a consciência, mostrando a incidência dos casos semelhantes e as possibilidades de cura, sem entrar na intensidade. Expandir é banalizar e, na expansão não há alívio imediato, porque cria ar, areja. Assim como no declinar também não há alívio imediato. Se declina, desqualifica.
Também as crianças podem sofrer desse mal e neste caso trabalha-se de forma indireta, utilizando conto de fadas, mitos, historinhas – projeta-se a historia da criança numa outra historinha.
Terceiro par de opostos: despir é diferente de abandonar. Despir é tirar sem abandonar. O sintoma é uma roupa. A partir do momento que o indivíduo vive com um sintoma, seja ele qual for, pode ser um marido alcoólatra, um chefe despótico, ou uma dor de cabeça contínua, ao criar uma condição para fazê-lo se despir disso, ele se verá sem aquilo, ou seja, nu daquilo, e começará a se ver de forma diferente. Por exemplo, no conto do Alferes, de Machado de Assis, quando ele se despiu da farda, ele nem nome tinha, ele era o Alferes. Ele olhou para o espelho e não se reconheceu, porque ele não era nada, a não ser o Alferes, e ele não era nada a não ser o indivíduo fardado.
Imagine você sem a sua dor de joelho, que há muito tempo você fala dela e vive em função dela. Despir não é abandonar, não é largar, não é simplesmente tirar a roupa, jogar fora e vestir uma nova. Isso é bobagem, pois a roupa abandonada volta. Deve-se deixá-la no armário, porque ela fez parte da sua vida até hoje, e se você abandoná-la, ela volta. Se você a deixa no armário saberá quando usá-la, pois às vezes essa roupa pode ser útil. Ao despir não se está desqualificando, e sim dando a oportunidade do indivíduo se ver de outra maneira. Aprofundar, intensificar e então despir, levando-o a buscar o símbolo que está por trás do sintoma, dando-lhe recursos para encontrar a cura, a salvação.
Quarto par de opostos: repetir é diferente de rotinizar. Fazer o individuo entender que exigindo-se dele a repetição daquela passagem, daquela experiência, daquele sentimento quantas vezes forem necessárias tem como objetivo um aprimoramento. A rotinização tem por objetivo a compulsividade, possibilizar o aprofundamento. Rotinizar é fazer sem a busca da perfeição. É uma técnica da psicologia comportamental, behaviorista, na qual o indivíduo repete uma situação várias vezes com o intuito de dessensibilizar. Dessensibiliza aquela situação, suprime o sintoma, mas não encontra a cura. Ele não compreende porque fazia aquilo; simplesmente vai deixar de fazer, mas começará a fazer outra coisa, geralmente pior. E por fim, quando o indivíduo repetiu várias vezes, percebe que há aprimoramento por trás do sintoma que apresenta. Muitas pessoas dizem, por exemplo, que o sintoma se repete muitas vezes. A resposta é que realmente ele vai se repetir quantas vezes forem necessárias para que se aprenda o que se tem que aprender. Está se aperfeiçoando algo que não se consegue ver. Que aperfeiçoamento existe por trás do sintoma? É a hora do esvaziamento, isto é, fazer com que o individuo se sinta capaz de viver sem aquilo. Para isso tem que haver espaço, assim como a kenosis que Jesus foi fazer no deserto. Kenosis significa esvaziar, e Jesus já tinha feito tudo isso. Já havia aprofundado, intensificado, despido, repetido e agora ele podia esvaziar. Esvaziar é exatamente dar espaço para vir o novo. O novo vai surgir no espaço que esse sintoma está deixando, e não será um novo sintoma. No caso da dentista, por exemplo, houve espaço para o novo relacionamento, uma nova atitude de vida, mas ela precisou esvaziar.
No constructo terapêutico, pode-se fazer tudo isso ao mesmo tempo.: aprofundar, intensificar, despir, repetir e esvaziar ao mesmo tempo, não no sentido de declinar, expandir, abandonar, rotinizar ou desperdiçar, e sim dar possibilidades ao cliente. Nisto está a criatividade.

Waldemar Magaldi Filho é diretor do IJEP e coordenador do curso de PSICOSSOMÁTICA

autor do livro DINHEIRO SAÚDE E SAGRADO


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